Título: Brasil é antepenúltimo em católicos na AL
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 08/05/2007, Especial, p. A12

Maior país católico do mundo em termos absolutos, o Brasil recebe esta semana o papa Bento XVI e 1.188 bispos latino-americanos para a Conferência Episcopal da América Latina (Celam) em um momento em que a Igreja no país aterrissa depois de vinte anos de trajetória declinante do percentual católico sobre a população brasileira. O ponto de chegada é baixo. Mesmo com o estancamento da queda católica apontada em pesquisa da Fundação Getulio Vargas coordenada pelo pesquisador Marcelo Neri, divulgada na semana passada, em termos proporcionais, o Brasil é o antepenúltimo país em percentual de população católica na América Latina. Proporcionalmente, só tem mais fiéis que Nicarágua e Uruguai.

Os programas sociais do governo Lula, que ampliaram políticas de transferências de renda criadas na gestão de Fernando Henrique Cardoso, podem indiretamente explicar o possível fim da queda percentual do número de católicos no Brasil. Estes programas, dos quais o Bolsa Família é o maior, atendem principalmente às pequenas cidades do Nordeste, um ambiente onde o catolicismo permaneceu relativamente intacto.

"Ao proporcionar uma renda, o Bolsa Família tende a diminuir o fluxo migratório, o que pode beneficiar a Igreja, já que segura a população onde o ambiente é mais católico e arrefece o crescimento nas áreas periféricas dos grandes centros, onde a queda se dava com mais velocidade", comenta o professor César Romero Jacob, da PUC do Rio, ressalvando-se que esta é uma hipótese que ainda não foi experimentada.

Há indicadores que apontam para a queda da migração nos últimos anos. Segundo trabalho do professor José Marcos Pinto da Cunha, do Núcleo de Estudos Populacionais da Unicamp, apresentado em um seminário promovido pela Cepal e pelo BID em Brasília no dia 30 de abril e divulgado na Internet, o número de emigrantes do Nordeste caiu de 1,8 milhão para 1,3 milhão entre os qüinqüênios de 1995 e 2000 e de 1999 a 2004. Já o de imigrantes em São Paulo recuou de 1,2 milhão para 873 mil nos mesmos períodos.

A diminuição de oportunidades no Sudeste, conjugada à ampliação dos benefícios são razões levantadas por Pinto da Cunha para explicar o fenômeno. "Falta um estudo específico para medir o impacto das políticas de transferências de renda, mas tudo leva a crer que estão diminuindo o êxodo", diz o pesquisador. O trabalho tomou como base os levantamentos da Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar (PNAD) de 2000 e 2004.

Mas as interpretações são divergentes. "O PNAD não consegue captar a migração pendular, formada por trabalhadores que saem do Nordeste para o Sudeste na safra da cana, por exemplo. Neste caso, as evidências existentes são que a migração aumentou", diz o professor Francisco Alves, da Universidade Federal de São Carlos. "Este é o grande problema de todas as pesquisas do PNAD. Mas a tendência captada é inequívoca", comenta Pinto da Cunha.

Marcada pela disputa política nos anos 60,70 e 80 a Igreja Católica no Brasil tornou-se paulatinamente mais conservadora com as substituições nas dioceses feitas por João Paulo II ao longo de seu pontificado, mas não união permanece distante : as alas conservadora e progressista culpam-se mutuamente pelo declínio do número de fiéis.

O primeiro grupo afirma que a politização das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), sob a égide da Teologia da Libertação, afastou fiéis que buscavam uma vivência religiosa. O segundo sustenta que a desarticulação desta ação política cortou os laços da Igreja com as periferias.

O avanço da esquerda na Igreja Católica latino-americana começou em outra Celam com a presença do papa, a de Medellín, em setembro de 1968, aberta por Paulo VI. Lá foi lançado o tripé que sustentou a versão socializante do catolicismo: a opção preferencial pelos pobres, a formação das CEBs e a Teologia da Libertação.

Os primeiros sinais de que a Igreja Católica iria deter o avanço em direção à esquerda vieram na terceira Celam, realizada em Puebla (México), em janeiro de 1979, poucos meses depois da eleição do papa João Paulo II, que fez nesta ocasião a primeira de suas 102 viagens ao exterior. Condenou-se explicitamente o uso da "dialética da luta de classes" na análise social feita por estudiosos católicos.

A quarta Celam, realizada em 1992 em Santo Domingo, provocou um confronto entre o Vaticano e os bispos sobre o grau de autonomia que a igreja latino-americano poderia ter. O documento final desagradou tanto a conservadores quanto a progressistas. Isto levou o Vaticano a decidir acabar com os encontros latino-americanos, fundindo-os com reuniões com os bispos do Canadá e dos Estados Unidos. Mas a decisão durou pouco tempo. Diante da reação negativa dos bispos latino-americanos, o próprio João Paulo II voltou atrás e anunciou a convocação da conferência, em 2001.

O papa Bento XVI dará no dia 13 de maio, em Aparecida (SP), a palavra inicial aos bispos latino-americanos, mas com certeza terá influência central no documento final da Conferência que deverá se encerrar no final do mês. A Conferência já tem o seu toque pessoal. Bento XVI fez questão que o evento acontecesse no Brasil, quando o destino mais provável seria o Chile, terra natal do presidente da Celam, o cardeal Javier Errazuriz.

Depois de escolher o Brasil, o papa escolheu Aparecida, um centro de peregrinação mariana. Com isso, a aposta feita por bispos de ambas as correntes é que o papa pretende dar um tom missionário e reenvangelizador à Igreja latino-americana, freando a dimensão social e política.