Título: Chegou a vez da 'internet' das máquinas
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Fonte: Valor Econômico, 08/05/2007, Empresas, p. B2

O rádio faz 110 anos e o microprocessador completa pouco menos de 50, este ano. Algo excitante está acontecendo com a aproximação dessas duas tecnologias pelo acréscimo de funções sem fio aos chips dos computadores. Todos os benefícios do mundo da computação - a inovação, os ciclos de desenvolvimento curtos e o baixo custo - estão sendo estendidos às comunicações sem fio. Como resultado, uma miríade de objetos até agora separados começa a ser conectada às rede. A novidade estende-se de televisores e automóveis às máquinas industriais e instrumentos usados na agricultura. Dispositivos diminutos estão sendo implantados no corpo humano com finalidades variadas. A nova tecnologia permite que o controle seja exercido à distância e que aparelhos diferentes sejam ligados a um mundo novo.

Até agora, o telefone móvel recebia todas as atenções. Cerca de 2,8 bilhões deles já estão em uso, com 1,6 milhão de novos aparelhos sendo colocados no mercado mundial todos os dias. Os próprios telefones celulares evoluem numa velocidade estonteante.

Agora, essa explosão também começa a se espalhar para outras áreas das comunicações sem fio, usadas para conectar máquinas, sensores e objetos. "Todo mundo fala que os mercados emergentes são a grande oportunidade para a indústria dos celulares nos próximos anos, mas no longo prazo haverá muitos outros aparelhos se comunicando uns com os outros", afirma Paul Jacobs, presidente da Qualcomm, que produz chips para telefones móveis.

Este ano, cerca de 10 bilhões de microprocessadores serão vendidos, embutidos em aparelhos que vão de computadores a máquinas de fazer café. A ampla maioria deles poderá "pensar" mas não "falar": eles são capazes de realizar tarefas específicas, mas não podem se comunicar. É justamente aqui que começa a mudança.

O custo, o tamanho e a exigência de capacidade das funções sem fio estão caindo rapidamente. Desse modo, alguns objetos, antes candidatos improváveis, estão sendo conectados às redes. Por exemplo, pontes e prédios são monitorados, em sua integridade estrutural, por pequenos sensores. Plantações passam a ser observadas e sistemas de irrigação são ligados e desligados remotamente.

Nos próximos anos, as comunicações sem fio serão uma parte cada vez maior da vida diária. David Clark, um cientista da área de computação do Massachusetts Institute of Technology (MIT) que ajudou a desenvolver a internet, acredita que dentro de 15 a 20 anos a rede terá que acomodar 1 trilhão de dispositivos, a maioria deles sem fio.

Para ilustrar como esse mundo poderá ser, Robert Poor, co-fundador de duas companhias de comunicações sem fio, a Adozu e a Ember, usa um exemplo modesto: as instalações de iluminação das construções. Se cada uma delas tiver uma pequena conexão sem fio, as pessoas não só poderão controlar a iluminação de maneira mais eficiente, como também dar muitos outros usos a essas conexões. Se elas forem programadas para atuar como detectores on-line de fumaça, poderão dar um alarme de incêndio além de mostrar sua localização. Elas também poderão trabalhar como um sistema de segurança ou fornecer conectividade à internet para outras coisas que estiverem dentro de uma construção.

Parece um futuro distante, mas essas aplicações já estão sendo desenvolvidas. A Philips pretende lançar sistemas sem fio de controle de iluminação para edifícios comerciais dentro de cinco anos. Seus pesquisadores trabalham no desenvolvimento de sistemas de iluminação de rede capazes de monitorar objetos de um prédio, detectar equipamentos em hospitais e até impedir roubos em escritórios.

Essas idéias estão por aí há anos e são conhecidas de várias maneiras: "computação onipresente", "redes embutidas" e "internet difundida". O fenômeno "poderá muito bem ser muito maior que os marcos anteriores da revolução da informação", de acordo com um estudo de 2001, intitulado "Embedded, Everywhere", do America's National Research Council, que faz parte da respeitada National Academy of Sciences. Um estudo feito em 2005 por uma agência das Nações Unidas chamou o fenômeno de "The internet of things" (A internet das coisas).

Agora, porém, esse movimento está começando a acontecer de fato. Até mesmo os governos já perceberam isso. O Japão e a Coréia do Sul incorporaram as tecnologias sem fio às suas políticas nacionais e os conglomerados de tecnologia da informação (TI) desses países cada vez mais seguem as regras e aceitam as idéias dos líderes políticos. A União Européia e os Estados Unidos (onde o dinheiro encaminhado para a defesa pagou por muitos dos avanços) vêm publicando estudos polpudos sobre o assunto.

Apesar de todo esse entusiasmo, ainda vai demorar um pouco até que as comunicações entre máquinas (M2M ou machine-to-machine) e as redes de sensores se tornem onipresentes. Embora a tecnologia já exista, abordagens diferentes ainda não permitem que elas funcionem juntas com qualidade. Ao contrário dos programas de computador, que podem ser desenvolvidos com uns poucos cliques no mouse, cada sistema ainda precisa ser feito sob medida. A combinação entre comunicação e computação une dois setores e culturas de engenharia geralmente díspares, tornando o processo mais lento. Além disso, modelos de negócio capazes de justificar o tempo e os custos de agregação dos serviços sem fio ainda são embrionários.

Mesmo assim, a direção geral está clara. Nos próximos anos, novas tecnologias sem fio vão aparecer em uma infinidade de equipamentos e aparelhos, do mesmo modo que aconteceu com os chips de computador na segunda metade do século XX.