Título: Governo precisa melhorar a qualidade do ajuste fiscal
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2005, Opinião, p. A8

O governo precisa reforçar a austeridade diante das pressões por gastos que põem em risco um ajuste fiscal duradouro. A determinação com que se empenhou para obter um superávit primário de 4,5% do Produto Interno Bruto teve a seu favor mais o aumento da carga tributária, que chegou a um nível próximo do intolerável, e menos de um corte planejado e sistemático de despesas. Elas têm crescido significativamente, seja pelo lado da Previdência, pelo aumento da folha salarial da União, pela carga exorbitante de juros e podem aumentar ainda mais pelo Orçamento faz-de-conta modificado pelo Congresso. O aumento das despesas do Orçamento é fruto da costumeira tentativa dos parlamentares de inflarem receitas. O Congresso "arranjou" mais R$ 10 bilhões para a rubrica de investimentos a partir de uma conta de chegar duvidosa. Em sua estimativa, as receitas totais da União crescerão mais de 17%, uma projeção bem mais generosa do que a que o governo enviou para os parlamentares, de 11,1%. Como decorrência, o dinheiro que deverá entrar nos cofres públicos aumentou de R$ 457,4 bilhões para R$ 481,1 bilhões - um acréscimo de R$ 23,7 bilhões. Para justificá-lo, o relator do Orçamento previu que o Produto Interno Bruto terá uma expansão maior que os 4% estimados pelo Executivo, e atingirá 4,32%. Como a conta não fecha sem um pouco de inflação, a estimativa do Congresso é de que ela chegue a 5,9%, algo mais realista do que os 4,5% previstos pelo Executivo. Com a regularidade dos temporais de verão, aguarda-se agora o decreto de contingenciamento de gastos que derrubará as cifras ilusórias reservadas para investimentos. Os parlamentares esticaram o Orçamento na esperança de ampliar a margem para emendas, que serão fatalmente barradas pelo Executivo. Não é o fim da barganha. À medida que a peça orçamentária for sendo executada, aparecerão brechas para as despesas, que serão utilizadas para garantir fidelidades provisórias em votações de projetos de interesse do governo. O jogo é de baixa transparência, retira a confiabilidade do Orçamento e coloca a responsabilidade de equilíbrio inteiramente nas mãos da Fazenda e Planejamento. Nos últimos dois anos, o resultado desse expediente foi o baixo nível de investimento público. O Executivo, por seu lado, tem contribuído para jogar as despesas para cima. O aumento de 15,3% do salário mínimo, para R$ 300, irá comer boa parte dos recursos previstos para os investimentos, mas o governo julgou que era hora de pagar parte de suas promessas sociais. Porém, ao mesmo tempo, ele vem acrescentando mais gastos na folha salarial, que já tem um crescimento vegetativo expressivo. Ao final de 2005, ela estará 30,8% maior do que era quando o presidente Lula assumiu o poder. As negociações com os servidores trouxeram acréscimo de R$ 9,2 bilhões para o Orçamento de 2005 e essa soma crescerá R$ 10 bilhões ao ano, porque os reajustes acordados foram parcelados, como informou o Valor em sua edição de ontem. O governo está fazendo contratações e, pelo menos nos planos, a idéia era ampliar o número de funcionários públicos em 60 mil. Por outro lado, já não se ouve falar da reforma administrativa do governo Lula, que racionalizaria gastos, realocaria pessoal e buscaria melhorar a produtividade do setor público como um todo. A face despercebida do superávit fiscal recorde de 4,5% do PIB foi o crescimento de 10% em termos reais da despesa primária total, exclusive juros, segundo cálculos do economista Márcio Garcia (Valor, 5 de janeiro). Dessa forma, não chega a ser surpreendente o imenso arrocho sobre a conta dos investimentos, que estão perdendo espaço para as despesas de custeio da máquina, quanto o movimento correto e saudável seria o inverso. Há uma extensa corrente de economistas que entendem que, para tornar viável uma taxa de juros civilizada, seria necessário um corte rigoroso dos gastos, preservando o quanto possível os investimentos. Ele retiraria o peso excessivo da política monetária no combate à inflação, permitindo a redução dos juros, encolhendo assim as despesas de uma conta que consumiu R$ 116 bilhões em 2004, e abrindo espaço para a redução da carga tributária. Essa é a receita certa para o crescimento sustentado, mas, depois de avanços macroeconômicos inequívocos, o governo parece vacilar quanto ao futuro. Ele está ampliando a carga dos juros reais pagos, empilhando despesas com pessoal e custeio, e claudicando nos investimentos. Desse jeito, cedo ou tarde, as contas só fecharão com mais impostos sobre todos.