Título: Para Merck, processo de quebra de patente ignorou proposta apresentada
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2007, Brasil, p. A2

A última proposta do laboratório Merck Sharp & Dohme, recusada pelo governo brasileiro e que resultou no licenciamento compulsório do anti-retroviral Efavirenz produzido pela empresa, ia além do desconto de 30% no preço atual do remédio. Ela também previa um convênio com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) para a produção de um genérico do medicamento antes da expiração da patente e a possibilidade de trazer da Austrália para o Brasil a produção do Efavirenz, segundo João Sanches, diretor de comunicação corporativa da Merck.

Essa segunda parte da proposta, explica o diretor da Merck, não foi analisada. Se confirmada a informação, ela indica uma contradição com a intenção, anunciada pelo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, de desenhar uma política de incentivos à fabricação doméstica de materiais e equipamentos médico-hospitalares hoje importados . Procurada ontem, a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde informou que a pessoa responsável pela negociação com a Merck não foi encontrada para confirmar o conteúdo integral da proposta da empresa.

"O governo simplesmente nos enviou um fax dizendo que a proposta não atendia seus interesses e desmarcou a nova reunião", diz Sanches, em referência a um encontro que estaria agendado para quarta-feira da semana passada.

Na sexta-feira, dia 04 de maio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o decreto do licenciamento compulsório do Efavirenz, produzido pelo Merck. Foi a primeira vez que o Brasil quebrou a patente de um medicamento. Com a medida, o país pode importar genéricos do remédio e, depois, fabricá-lo internamente. Hoje, sete dos 15 medicamentos do coquetel já são produzidos em Manguinhos.

Nas gestões de José Serra, ministro da Saúde de Fernando Henrique Cardoso, e de Humberto Costa, no primeiro mandato de Lula, o governo teve negociações tensas com a Roche e a Abbott, mas a quebra de patente não foi efetivada.

O governo brasileiro queria pagar pelo Efavirenz o mesmo valor pago por algumas nações: US$ 0,65 a unidade. No Brasil, a Merck cobra US$ 1,57 por unidade. Com o desconto de 30%, o laboratório calcula que o Ministério da Saúde economizaria US$ 13 milhões, pois o preço por unidade cairia para US$ 1,10. O governo calcula que poderá comprar o medicamento genérico produzido na Índia por US$ 0,45 e economizar US$ 30 milhões ao ano. Com a economia, pretende ampliar o tratamento das pessoas infectadas pela Aids.

Desde 1999, a Merck diz que já concedeu desconto de 77% no valor do Efavirenz, percentual que subiria para 84% com a última proposta (30% de desconto). Atualmente, os gastos com o Efavirenz somam US$ 42,9 bilhões por ano - 17% do gasto do governo com anti-retrovirais.

"O nosso medicamento é o mais barato do coquetel", diz Sanches. Se o governo aceitasse o desconto de 30%, a porcentagem de gastos com o medicamento cairia para 12% das despesas com o coquetel anti-aids. Além disso, o diretor afirma que o laboratório não acha justo que o Brasil pague o mesmo valor pelo remédio que países subdesenvolvidos da África subsaariana. Sanches diz que, depois desses países, o Brasil paga o menor preço pelo medicamento.

Nesta semana, a direção brasileira da Merck se reúne a matriz para tratar o assunto. Sanches diz que nenhuma outra conversa foi marcada pelo governo brasileiro.