Título: Momento decisivo para a Palestina
Autor: Daoud Kuttab
Fonte: Valor Econômico, 11/01/2005, Opinião, p. A9

A vitória de Mahmoud Abbas na eleição presidencial palestina cria um enorme desafio para a liderança dos palestinos. Ao ser eleito presidente da comissão executiva da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), horas depois da morte de Iasser Arafat, Abbas conseguiu reunir o apoio da organização que representa todos os palestinos, inclusive aqueles em diáspora. A eleição popular de Abbas para a presidência da Autoridade Nacional Palestina dá, ao novo presidente, legitimidade junto à população para executar seu programa político. Esse programa, embora similar ao de Arafat, tem diferenças fundamentais. Abbas (também conhecido como Abu Mazen) revelou-se pública e sistematicamente crítico em relação ao que ele denomina "a militarização da Intifada". Mesmo antes da morte de Arafat, Abbas argumentava que o recurso à força por militantes debilita a posição de negociação dos palestinos. Ele manteve-se fiel a essa posição durante sua campanha eleitoral, recusando-se a ceder às exigências das facções palestinas de linha-dura para que se retratasse de suas declarações anteriores. Abbas se conduz fundamentalmente como um negociador, e acredita enfaticamente no respeito à lei e na necessidade de que um governo civil efetivo assuma a liderança da condução política palestina. Nesse aspecto, ele também diverge de Iasser Arafat, para quem a postura revolucionária deveria ser mantida, enquanto os palestinos continuassem vivendo sob ocupação estrangeira ilegal. Até que venha a libertação, não deveria haver negociações políticas convencionais. Ao vencer as eleições defendendo uma plataforma claramente antiviolência e de respeito à lei, Abbas tem a representatividade e a responsabilidade de executar essa política. Ele precisa deixar claro a cada palestino armado que não haverá tolerância em relação a nenhum grupo não-oficial portando armas ou realizando ataques militares a partir do território palestino. Com o objetivo de preservar a unidade nacional, Abbas terá, evidentemente, de empregar todas as suas habilidades persuasivas para convencer os grupos radicais (alguns deles em seu próprio movimento Fatah) a respeitar essa abordagem. Como presidente da OLP, ele se verá sob extrema pressão para não deslegitimar ações sancionadas internacionalmente de resistência contra alvos militares israelenses. Para se contrapor a essas pressões, ele terá de demonstrar que a suspensão da violência é do mais alto interesse dos palestinos.

A questão é o que Israel e a comunidade internacional farão se Abbas cumprir o compromisso de pôr fim à violência e aplicar a lei

Abbas irá se defrontar com desafios da mesma magnitude na imposição dos princípios de respeito à lei a uma comunidade traumatizada e agora atordoada, depois de quase cinco anos de violência, opressão e restrições draconianas a viagens impostas pelos israelenses. Assim como a militarização da Intifada, essa não é uma questão simples, pois diz respeito a forças fora do controle de Abbas e de seu governo. Ainda assim, as políticas internas serão de grave importância. A vida e a subsistência dos palestinos em seu dia-a-dia exigem melhoria imediata. Com o muro construído pelos israelenses a oeste da Cisjordânia, o desemprego entre os palestinos continuará a crescer e os padrões de vida continuarão a cair. Para enfrentar essa situação, Abbas terá de buscar apoio externo árabe e internacional. A real necessidade é incentivar investimentos, fundamentalmente de palestinos e de árabes. Mas isso é improvável sem profundas reformas legais, administrativas e, numa esfera mais abrangente, bom governo e aplicação rigorosa das leis. A paz é crucial para estabelecer ordem civil. Não importa quão persuasivo Abbas seja em convencer grupos radicais a depor suas armas, um cessar-fogo unilateral não será duradouro se não for mútuo. O papel das forças de ocupação israelenses será, portanto, crucial para o êxito da dificílima missão de Abbas. Com efeito, a tarefa com que Abbas se defronta será impossível, se for tolerada a manutenção da política israelense de "assassinatos de líderes individuais da Intifada" enquanto os líderes palestinos se empenham seriamente em pôr fim aos atos de violência contra israelenses. Em última instância, o principal item na agenda do novo presidente palestino, nas negociações com Israel, será pressionar os israelenses a cumprir suas repetidas garantias internacionais de que um Estado palestino viável contíguo (a Israel) é um objetivo realista no futuro próximo. Entretanto, se deixado unicamente por conta de israelenses e palestinos, o objetivo da independência palestina dentro das fronteiras da Palestina em 1967 muito provavelmente não será alcançado. A comunidade internacional, liderada pelos Estados Unidos, precisa investir esforços e capital político para concretizar esse objetivo. O novo presidente palestino defronta-se com uma agenda difícil e precisa atender a expectativas populares elevadas. Muita coisa dependerá de como Abbas irá se conduzir, e de como governará. Em última instância, porém, a questão é o que Israel e a comunidade internacional farão se Abbas cumprir seu compromisso de pôr fim à violência contra israelenses e aplicar o rigor da lei em uma democracia estável. Os palestinos fizeram sua escolha; agora o mundo deve fazer o mesmo.