Título: Imagem do país pode ficar preservada, dizem analistas
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2007, Brasil, p. A2

Especialistas em relações internacionais e representantes de organizações não-governamentais duvidam que a imagem do Brasil no exterior seja arranhada pela quebra de patente de um medicamento anti-AIDS. Pelo contrário. A análise é de que o impacto será positivo, pois o país está agindo dentro das regras internacionais em prol de uma causa justa. Na sexta-feira, o governo anunciou o licenciamento compulsório do remédio Efavirenz, cuja patente pertence ao laboratório Merck.

A Câmara Americana de Comércio (Amcham), em nota, tem uma avaliação divergente. A entidade reconhece o direito do Brasil de adotar medidas como o licenciamento compulsório, mas ressaltou que "a proteção à propriedade intelectual é fator crítico para assegurar o crescimento da inovação e do desenvolvimento tecnológico do Brasil". "A decisão do governo] é ruim para o País, justamente em um momento em que o Brasil melhorou sua posição em um relatório reconhecido mundialmente sobre o tema", avalia a diretora de Assuntos Estratégicos da Amcham, Adriana Machado. Nos EUA, a Câmara de Comércio divulgou nota onde afirma que a medida pode desestimular novos investimentos no Brasil.

"O Brasil só tem dois programas de qualidade internacional reconhecida: etanol e combate à AIDS", diz Rubens Ricupero, ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad). "A decisão do governo brasileiro é correta, porque está de acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio e é uma necessidade de saúde pública", concorda o embaixador Sérgio Amaral, ex-ministro do Desenvolvimento no governo Fernando Henrique Cardoso. Ele não acredita em um impacto negativo para a imagem do país.

Segundo prevê o acordo sobre propriedade intelectual da OMC, os países têm o direito de quebrar uma patente de um medicamento e estabelecer uma licença compulsória em situação de urgência. O país pode até importar o remédio enquanto não tiver condições de produzi-lo localmente.

Para Kátia Maia, coordenadora de campanha da ONG britânica, Oxfam, "não é apenas quando as pessoas estão morrendo na rua que existe uma situação de emergência". Ela afirma que existe uma epidemia de AIDS no país, mas que está sob controle graças ao tratamento universal garantido pelo governo. "Se há um risco nessa garantia de tratamento, por conta de abuso no preço do remédio, temos uma situação de emergência", diz.

Ricupero não descarta, que pressionado pelo lobby farmacêutico, os Estados Unidos questionem a decisão brasileira na OMC. "Mas o ônus político para o governo americano seria grande", ressalta. Ele lembra que, em 1988, o governo dos EUA aplicou uma sobretaxa de 100% nos produtos mais dinâmicos da exportação brasileira como represália ao fato de que o Brasil não reconhecer patentes, o que aconteceu em 1997.

O governo americano deve recorrer a outros instrumentos de constrangimento, avalia Ricupero. O embaixador acredita que o Brasil pode voltar para a lista das nações que não respeitam a pirataria. A exclusão do país ocorreu há poucos dias. Outra possibilidade é ameaçar tirar o país do Sistema Geral de Preferências Tarifárias (SGP), que favorece a entrada de alguns produtos no mercado dos EUA.

Os representantes da indústria farmacêutica se posicionaram contra a decisão brasileira. Em comunicado, a Federação Internacional das Fabricantes de Produtos Farmacêuticos, entidade baseada em Genebra, afirmou que "a licença compulsória não é solução para melhorar o acesso aos medicamentos". A entidade argumenta que o comportamento do Brasil é uma "confrontação" e, provavelmente, quer beneficiar companhias estatais locais. (Com agências noticiosas)