Título: Eleitores condenaram de modo implacável um sistema político corrupto
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2013, Internacional, p. A11

Os resultados da inconclusiva eleição italiana vêm sendo interpretados como um repúdio às políticas de austeridade, mas eles vão muito, muito além disso.

A eleição que levou Beppe Grillo, um blogueiro-comediante antiestablishment, a ser líder da maior força parlamentar em termos de votos, foi uma eleição que decretou veredicto de "culpado" a um sistema partidário infestado pela corrupção.

A União Europeia torcia por um resultado eleitoral que reafirmasse o compromisso da Itália com as duras políticas econômicas exigidas para estabilizar a zona do euro. Em vez disso, a eleição produziu, pela primeira vez na história do país pós-1945, uma maioria parlamentar não inclinada a fazer reverência às demandas da Europa.

Por fim, uma eleição que era prenunciada como o fechar das cortinas para os 20 anos de carreira política de Silvio Berlusconi, o bilionário ex-primeiro-ministro a quem se culpa por muitas das mazelas atuais da Itália, foi uma eleição na qual se viu que ele ainda tem um importante papel a desempenhar no país.

Do ponto de vista europeu, o resultado da eleição - um Parlamento travado (com um Senado dividido em três e sem uma maioria) e a perspectiva de um governo de coalizão de vida curta, formado por elementos mutuamente antagônicos - ressalta a obviedade de que a política nunca pode ser tirada da equação quando as autoridades preparam soluções para a crise financeira e das dívidas soberanas da região do euro.

Nos últimos dois anos, a política parecia estar trabalhando a favor da Europa. Irlanda e Portugal realizaram eleições que permitiram aos eleitores ejetar do poder governos cuja má gestão desencadeou os pacotes de auxílio financeiro concedidos pela União Europeia e substituí-los com novas administrações comprometidas a seguir as instruções de Bruxelas, do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Foram necessárias duas eleições na Grécia, em 2012, mas no fim das contas foi alçada ao poder uma coalizão que, embora considerada imperfeita pela Europa em seu empenho nas reformas, provavelmente é a melhor opção disponível, dada a profunda recessão no país.

A eleição na Holanda em 2012 trouxe um resultado pró-europeu. A eleição presidencial da semana passada em Chipre foi vencida por Nicos Anastasiades, mais amigável a seus parceiros europeus do que o governo comunista agora de saída.

Na Itália, no entanto, um em cada quatro eleitores votou a favor do Movimento Cinco Estrelas e 25% do eleitorado se absteve de votar. O índice de abstenção, recorde no pós-guerra, deveu-se em grande parte ao descontentamento popular com a classe política arraigada, mas também indicou um dos problemas econômicos e sociais mais graves da Itália: o envelhecimento da população.

Muitos eleitores idosos consideraram demasiado esforço deslocar-se até as urnas em uma eleição sob condições de inverno rigoroso. Com mais de 20% dos 61 milhões de italianos tendo acima de 65 anos, são cada vez mais profundas as dúvidas sobre qual será a fonte do futuro crescimento econômico no país e como os níveis de bem-estar social serão mantidos.

Desde a entrada da Itália na região do euro em 1999, o problema econômico central vem sendo a falta de crescimento. Com a parcimônia de reformas sob os governos de Berlusconi e o impacto da recessão desde 2008, o Produto Interno Bruto (PIB) de hoje não é maior do que era em 2000.

A ausência de reformas econômicas liberalizantes é, em grande parte, um problema institucional e político. É consequência de um sistema democrático que foi erigido depois de 1945 em resposta ao fascismo e que distribui influência entre partidos, grupos industriais, bancos, sindicatos, tribunais e outros centros de poder de forma tão cuidadosa que nenhum governo pode atravessar o emaranhado de grupos de interesse estabelecidos.

A corrupção na política, empresas e administração estatal injeta mais veneno ao sistema. Foi uma eleição que expôs o descontentamento com a austeridade, mas que também mostrou que o caminho para a salvação econômica precisa passar pela descontaminação e renovação da política.