Título: Agenda do governo domina Legislativo
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2007, Política, p. A5

Os 100 primeiros dias de funcionamento parlamentar, a serem completados na sexta-feira 11, revelam um Congresso inteiramente a reboque da agenda do governo federal. Na Câmara, onde o Palácio do Planalto formou uma ampla maioria, nem sequer foram votados os projetos de interesse corporativo, como o que aumenta o salário dos deputados, mais por causa de uma pauta freqüentemente trancada por medidas provisórias do Executivo que por uma ação articulada da oposição. No Senado, havia nove MPs trancando a pauta no final de semana passado - antes de votá-las, os senadores não têm como regimentalmente tratar da própria agenda, como os projetos da área de segurança aprovados nas comissões temáticas.

"Foram 100 dias de agonia", diz o vice-líder do Democratas na Câmara, deputado José Carlos Aleluia (BA). "Esse início está mais devastador: a base do governo é mais sólida e a oposição está desarticulada". Para o tucano José Aníbal (SP) diz que o "Legislativo se tornou um braço do Executivo e deixou de ser um poder independente", pois o governo opera à base de MPs, o que trava o funcionamento do Congresso, muito embora este, em geral, se limite a homologar as MPs expedidas pelo Palácio do Planalto sobre temas nem sempre "urgentes e relevantes", como determina a Constituição.

Os números parecem dar razão aos oposicionistas: nesses 100 dias, a Câmara votou e aprovou 29 medidas provisórias baixadas pelo Executivo e dez projetos de lei, sendo que metade deles teve origem no Planalto. Entre as MPs, todas aquelas editadas para viabilizar a implementação do Programa de Aceleração da Economia (PAC). Apesar disso, na quinta-feira da semana passada, um dia após a última MP do PAC ser aprovada, já havia duas outras medidas provisórias trancando a pauta de votação.

"As medidas provisórias invertem a lógica do processo legislativo", diz o presidente do Senado, Renan Calheiros. "O Executivo legisla mais que o próprio Legislativo". As MPs, instrumentos mais apropriados ao regime parlamentarista, é um produto da Constituição de 1988, que na primeira parte dos trabalhos trilhou por uma mudança do regime de governo, mas no fim manteve o presidencialismo e os cinco anos de mandato para o então presidente José Sarney. De início, o Congresso não tinha um prazo limite para votar as medidas, o que só veio a ocorrer no governo do tucano Fernando Henrique Cardoso.

Essa mudança impediu que algumas MPs ficassem anos sem ser votadas, como ocorreu com a que instituiu o real como moeda, mas também pôs o Congresso numa camisa-de-força. Como antes, as medidas vigoram desde a sua publicação, mas o Congresso precisa votá-las até o 45º dia de sua edição. Se isso não ocorrer, a pauta fica "trancada" até que haja uma deliberação. Projetos de lei como os que tratam da segurança ficam parados. Quando o assunto é polêmico ou a base governista, instável, a medida provisória pode trancar a pauta por diversas sessões.

A rotina fez surgir um novo tipo de parlamentar, o "caroneiro", que se aproveita da MP baixada pelo Executivo para acrescentar ao texto medidas de seu próprio interesse ou do setor que representa na Câmara ou no Senado. Uma das MPs do PAC chegou à Câmara com 21 artigos e saiu com quase 40, pois os deputados se aproveitaram para entre outras coisas conceder isenções para empresas do setor elétrico. Como em geral as MPs não são discutidas em comissão especial, os congressistas costumam tomar conhecimento do texto na véspera ou no dia da votação, sem um exame mais crítico. "A base do governo está tão domesticada que ela não pensa, vota", diz José Carlos Aleluia.

Enquanto isso estão parados na Câmara os projetos de lei da reforma política, três projetos sobre a segurança e o de regulamentação das agências, cujo relator promete apresentar em breve o parecer. E até agora a Câmara não votou o segundo turno da emenda que acaba com o voto secreto dos deputados, aprovado ainda antes do primeiro turno das eleições de 2006. O que o presidente da Casa, Arlindo Chinaglia, quer mesmo votar é o aumento salarial dos congressistas. Só ainda não conseguiu por conta dos sucessivos "trancamentos" da pauta.

O recurso "exagerado" às medidas provisórias não é uma exclusividade do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Seus antecessores também as empregaram fartamente. A diferença está na gigantesca base de apoio com 11 partidos montada pelo governo para o segundo mandato de Lula, que tem deixado o governo numa posição confortável a ponto de o Ministério da Fazenda retirar da pauta, na semana passada, o projeto que aumenta os repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), uma promessa feita por Lula aos prefeitos do país em reunião em Brasília. A oposição não conseguiu reunir nem 180 votos para assegurar a votação, apesar das reclamações inclusive dos governistas com a quebra do acordo.

Em negociação com o governo para a ocupação dos cargos do segundo escalão, os partidos têm demonstrado pouca disposição para duelar com o Planalto. Pelo menos por enquanto. O presidente do PMDB, Michel Temer (SP), por exemplo, é autor de um projeto pelo qual o Congresso Nacional deve votar as MPs num prazo máximo de sete dias após sua edição. Com o partido agora na base governista, justifica o uso feito por Lula: "É um mecanismo muito eficiente, na verdade é como se fosse quase um projeto de lei, pois as MPs sempre são alteradas no Congresso". O líder do partido na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), diz que a Câmara apenas deu "prioridade ao PAC, que tem prazos e objetivos a serem alcançados. A partir de agora, o Congresso faz sua própria pauta". Isso, é claro, depois que as MPs que já estão trancando a pauta na Câmara e no Senado foram votadas. Assim como outras em gestação no Palácio do Planalto, como a que cria a nova Secretaria dos Portos Marítimos a partir de uma costela do Ministério dos Transportes.