Título: Clima esquenta na divisão da conta do aquecimento global
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2007, Internacional, p. A9

Na semana passada, a ONU divulgou relatório com cenários para o aquecimento global e o modo de enfrentá-lo. E indicou o custo disso. A discussão agora passa a ser como pagar a conta, e como essa conta será dividida. Cada país propõe um método de cálculo que lhe é mais favorável. As negociações vão esquentar.

O último relatório do painel da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado na sexta na Tailândia, dá a dimensão do problema. O custo anual para evitar mudanças climáticas desastrosas é de 0,12% do PIB global até 2030. Isso significa que o PIB global em 2030 será cerca de 3% menor do que se nada fosse feito. Não é pouco, mas é menos do que muitos previam.

Segundo o jornal britânico "Financial Times", o custo do corte de emissões implica gastos anuais de US$ 1,5 trilhão a partir de 2020.

Pelo relatório do IPCC, se as emissões de gases alcançarem um pico em 2015, e depois, caírem 50% a 80% nas décadas seguintes (o que é considerado difícil), a temperatura subiria 2°C no final do século. Mas, se as emissões continuarem a crescer até 2030, cenário bem mais provável, a temperatura da Terra aumentaria 3°C em 2100. Mais que isso é tido como um quadro bem perigoso para o futuro do planeta.

Cientistas do mundo todo dizem que a tendência de aumento das emissões de gases-estufa tem que ser revertida até 2020, para evitar desastres maiores.

O que está em discussão agora é saber em quanto o mundo pretende limitar as emissões de gases-estufa - ou seja, se pretende estabelecer como limite um aumento máximo na temperatura de 2°C ou 3°C. Até 2012, está em vigor o Protocolo de Kyoto, que limita as emissões de países desenvolvidos. Estados Unidos e Austrália não se comprometeram com este acordo.

Agora estão em curso as negociações para o período pós-2012. É preciso definir quem vai se responsabilizar pelos cortes de emissões e como elas serão feitas.

Na retórica política, cada país defende o critério que lhe convém. O Japão, por exemplo, que tem uma economia muito eficiente e já calcada em tecnologias bastante limpas em relação aos gases-estufa, quer que o critério de discussão considere emissões por dólar de riqueza produzida.

A China, que pode se transformar no primeiro emissor mundial ainda este ano, quer que as discussões levem em conta as emissões per capita. É fácil entender o motivo. O país, que cresce com uma matriz energética até agora baseada em carvão, responde por 17% das emissões mundiais. Mas, se a conta for dividida pela sua enorme população, a China cai no ranking dos grandes emissores. Este critério também é apoiado pela Índia, outro país emergente e populoso.

O princípio das emissões per capita não é uma bandeira brasileira. O Brasil, com menos de 3% da população mundial e responsável por 13,5% das emissões (é o quarto maior emissor), causadas principalmente pelo desmatamento, sairia perdendo com essa base. Prefere que a discussão leve em conta as emissões históricas, isto é, que a responsabilidade histórica pelo problema é dos países desenvolvidos, que poluem desde a Revolução Industrial, no Século XIX. Assim, o Brasil sai ganhando porque a industrialização brasileira é recente e o desmatamento foi mais acelerado a partir dos anos 80. Na prática, o país cairia no ranking de emissores. China, Índia, México e África do Sul apóiam este critério.

A União Européia já deixou claro o que pretende. Diz que vai reduzir suas emissões em 20% até 2020 (levando em conta os níveis de 1990), e que pode chegar a 30% se outros países desenvolvidos também o fizerem. Os Estados Unidos não aceitam a imposição de metas e têm corrido em raia própria. Vários estados americanos têm definido estratégias próprias para reduzir emissões. Em abril, a Suprema Corte dos EUA disse que o governo Bush tem de regular as emissões de gases-estufa.

Neste complicado jogo de xadrez, nenhum país quer mostrar imediatamente suas cartas. O debate político dos próximos meses já tem palcos definidos. O primeiro é a reunião do G-8+5, em junho, na Alemanha. O G-8 é o grupo dos sete países mais ricos do mundo, mais a Rússia. Os outros cinco são o Brasil, China, México, Índia e África do Sul.

O combate às mudanças climáticas também chegou ao Conselho Segurança da ONU, que deve debater o assunto nos próximos meses. Além disso, a próxima grande reunião internacional que discutirá ajustes no acordo de Kyoto e medidas para o pós-2012 acontecerá em Bali, na Indonésia, em dezembro.

O relatório de clima está em www.ipcc.ch