Título: Desenvolvimentistas versus neoliberais
Autor: Ferreira, Léo da Rocha
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2007, Opinião, p. A10

A política econômica de um país se desdobra em duas vertentes fundamentais: a política fiscal e a política monetária. São poderosos instrumentos utilizados na administração da economia para se alcançar a estabilização e o crescimento econômico. Os manuais de economia nos ensinam que sua eficácia pode ser avaliada com base na velocidade de sua implementação, pelo grau de intervenção na economia e pela importância relativa das taxas de juros e do multiplicador keynesiano. No Brasil, desde a implantação do Plano Real, observa-se um enorme descompasso entre a implementação da política fiscal e da política monetária. Enquanto os resultados da política monetária visando a estabilização econômica podem ser considerados muito bons do ponto de vista da estabilidade inflacionária, os da política fiscal objetivando o crescimento econômico deixam muito a desejar, dado que os resultados do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nos dois últimos anos foram decepcionantes: 2,3 e 2,9%, em 2005 e 2006, respectivamente.

Quanto à velocidade de implementação, a política monetária é mais eficaz que a política fiscal, pois as decisões das autoridades monetárias normalmente são implementadas de imediato, enquanto as decisões na área fiscal levam mais tempo, pois devem ser inicialmente aprovadas pelo Poder Legislativo, para só serem implementadas no exercício fiscal seguinte.

Quanto ao grau de intervenção na economia, a política fiscal é considerada mais profunda que a política monetária. A criação ou o incremento de uma alíquota de impostos, por exemplo, acarretam um aumento nos custos dos bens e serviços e, em conseqüência, a elevação dos gastos em consumo em detrimento da poupança, interferindo mais diretamente na economia do que qualquer medida de política monetária. No Brasil, a carga fiscal vem aumentando gradativamente, alcançando em 2006 o recorde de R$ 815 bilhões, o que correspondeu a 38,8% do PIB nacional. O resultado decorrente é uma redução da renda disponível, da poupança, e conseqüentemente, dos investimentos. O aumento das despesas governamentais com programas assistencialistas e a redução dos investimentos em infra-estrutura básica são opções da política fiscal que elevam o chamado "Custo Brasil". Neste sentido, a política fiscal tem impactos mais fortes sobre o grau de distribuição de renda e sobre a estrutura produtiva, enquanto a política monetária é mais difusa quanto aos aspectos distributivos.

Quanto à importância relativa da taxa de juros (e do multiplicador keynesiano), a eficácia das políticas econômicas vai depender da sensibilidade (elasticidade) dos investimentos privados e da demanda de moeda especulativa em relação à taxa de juros, respectivamente. Neste sentido, segundo a teoria econômica, sua eficácia está sujeita a três considerações: 1) quanto maior a sensibilidade dos investimentos em relação à taxa de juros, maior será a eficácia da política monetária; 2) quanto maior a sensibilidade da demanda especulativa relativamente à taxa de juros, menor será a eficácia da política monetária; 3) quanto maior o valor do multiplicador keynesiano de gastos, maior será a eficácia da política fiscal.

-------------------------------------------------------------------------------- A eficácia das políticas econômicas vai depender da elasticidade dos investimentos privados e da moeda especulativa --------------------------------------------------------------------------------

A taxa de juros representa o preço do dinheiro no tempo, ou seja, é a taxa de rentabilidade para os aplicadores, e o custo do empréstimo para os tomadores. O mercado financeiro se caracteriza por um espectro muito grande de fluxos monetários com diferentes taxas de juros. Contudo, todas estas taxas estão relacionadas. A taxa à qual os bancos emprestam depende basicamente da oferta e da demanda de dinheiro da economia. Dado que o Banco Central tem o monopólio de emissão de moeda, ele influencia de maneira decisiva esta taxa. No Brasil, o Banco Central executa a política monetária estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional com base em metas de inflação. Neste sentido, a redução da taxa de juros (Selic) defendida pelos desenvolvimentistas (política monetária expansionista) tende a diminuir o custo do dinheiro. Se os investidores forem sensíveis a essa queda de juros, tenderão a aumentar seus investimentos, com o conseqüente aumento da demanda agregada e do nível de produto e renda. Contudo, os impactos da redução gradual da Selic nos últimos anos até alcançar 13% são demorados.

Por outro lado, quanto maior a sensibilidade da demanda especulativa por moeda relativamente à taxa de juros, menor será a eficácia da política monetária. A queda dos juros movida por uma política monetária expansionista pode resultar em que uma maior parte da moeda fique nas mãos dos especuladores, visto que a rentabilidade dos títulos está em baixa (juros baixos), levando os especuladores a aguardar uma melhora no futuro (por isso é que guardam moeda para especulação). Em uma situação de expansão dos gastos, ou investimento, ou redução da carga fiscal, o impacto sobre o nível de atividade e emprego seria mais poderoso, quanto maior o efeito multiplicador.

Atualmente, a questão da eficiência das políticas monetárias e fiscais, como no passado, volta a ser um dos pontos centrais do debate entre os fiscalistas ou keynesianos (agora chamados de desenvolvimentistas) e os monetaristas ou neoclássicos (atualmente conhecidos como neoliberais). Os desenvolvimentistas são mais intervencionistas, consideram que a demanda de moeda e a de investimentos são altamente sensíveis (elásticas) a variações na taxa de juros de mercado e enfatizam o papel do mecanismo multiplicador keynesiano, enquanto que os neoliberais, como o próprio nome sugere, são liberais, adeptos de uma economia de mercado, com um mínimo de intervenção do Estado na atividade econômica, e não dão tanto destaque ao papel da taxa de juros. Os desenvolvimentistas reclamam da excessiva cautela na redução da taxa de juros pelo Banco Central e da valorização exagerada do real, ou seja, responsabilizam a condução da política monetária pelo reduzido crescimento da economia. Já os neoliberais responsabilizam o excessivo incremento da carga tributária e do crescimento perdulário das despesas governamentais, ou seja, a condução da política fiscal, pelo baixo crescimento da economia.

Acreditamos que nem oito nem oitenta. O bom senso está no meio: a eficácia das políticas fiscal e monetária depende da inclinação e da posição das curvas IS e LM no modelo formalizado por J. R. Hicks e A. Hansen, ainda bastante útil para analisar os efeitos da política econômica sobre a economia.

Léo da Rocha Ferreira é professor titular de Economia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e co-editor do livro "Perspectivas para a Economia Brasileira: inserção internacional e políticas públicas" (EdUERJ).