Título: Custo do salário em dólar já subiu 13% este ano
Autor: Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2007, Brasil, p. A3

Além de exportarem menos devido à valorização do dólar e sofrerem mais com a competição dos importados no mercado, as empresas intensivas em mão-de-obra também estão vendo seus gastos com a folha de pagamentos crescerem dia a dia. Só neste ano, o custo unitário do trabalho medido em dólar avançou 13%. Em 2006, a elevação foi de 9,8%, abaixo da verificada no ano anterior, de 22,4%, mas ainda acima da inflação, que subiu 3% no ano passado. Os dados são calculados pelo Banco Central e correspondem à média móvel dos últimos 12 meses.

"Estamos lutando para agregar valor aos nossos produtos e reduzir ao máximo nossos custos para aumentar a eficiência da fábrica", conta Marlin Koalrauch, proprietário da Bibi Calçados. Assim como em outras empresas calçadistas e também do setor moveleiro e têxtil, a mão-de-obra representa cerca de 30% do valor de seu produto. "Nossos sapatos são muito artesanais e requerem mão-de-obra especializada, é difícil cortar esse custo", explica. Uma saída foi estender a política de salários variáveis para além da área de compras, chegando até a produção. No caso desses trabalhadores, eles recebem um salário fixo e mais uma parcela que varia de acordo com a quantidade de pares produzidos.

Os dados do Banco Central mostram, porém, que nem mesmo os ganhos de produtividade foram capazes de aplacar a alta dos salários em dólar. O indicador que relaciona câmbio e salário e corrige essa relação pela produtividade vem despencando ano a ano, indicando que esse é um custo em alta para as empresas. No ano passado, a produtividade do trabalho na indústria aumentou 2,5%, considerando a alta de 2,8% na produção física medida pelo IBGE e o total de horas trabalhadas na produção.

Mesmo com esse ganho, o comportamento do câmbio anulou as vantagens que os produtores nacionais poderiam ter em relação aos seus concorrentes externos no quesito salário e o custo salarial total aumentou 16,5%. Mas no primeiro bimestre, uma boa notícia: apesar da valorização, a produtividade compensou o custo total dos gastos com pessoal e esse manteve-se estável em relação ao valor de dezembro, sempre considerando uma média móvel de 12 meses.

E esse aumento da produtividade se deu com expansão simultânea do emprego com carteira assinada nesses setores exportadores e intensivos em mão-de-obra. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), neste ano, o nível de emprego no setor têxtil subiu 1%, com a criação de 8,9 mil vagas. No setor de calçados, foram abertos 6,5 mil postos, uma variação positiva de 2,2%. São dados bem melhores do que os de fevereiro do ano passado. Com isso, a variação acumulada em 12 meses, que era negativa em 2006 para os setores de calçados e mobiliário, agora já está no terreno positivo.

As empresas ouvidas pelo Valor, no entanto, não expandiram sua folha de pessoal nos últimos meses, mas também não realizaram demissões. "O custo de demitir um funcionário é muito alto", diz Fábio Romão, economista da LCA Consultores. Além disso, nos últimos anos, as grandes empresas já enxugaram suas estruturas cortando mão-de-obra.

O economista da MB Associados, Sergio Vale, diz que o salário em dólar no Brasil comparado com o salário em dólar de um trabalhador chinês está extremamente elevado nesse cenário de câmbio a R$ 2. Devido a isso, o custo relativo dessas indústrias que empregam muito está bem maior do que o do resto do mundo. A solução, para grande parte delas, é demitir e reduzir produção. Contra isso, comenta Vale, "não há fórmula mágica."

Koalrauch, da Bibi, concorda com Vale. "O Brasil está exportando empregos devido a uma política econômica equivocada", enfatiza o empresário. Ele quer que o governo federal reduza os encargos sobre a folha de pagamento das empresas de seu setor. Na semana passada representantes das indústrias têxteis se reuniram com o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, para tratar desse assunto. Uma das propostas em análise pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) é estender o regime tributário Simples para qualquer empresa do setor, retirando a restrição do faturamento máximo anual de R$ 2,4 milhões.

No setor moveleiro, as dificuldades e reclamações são as mesmas. Domingos Sávio Rigoni, dono da Movelar, fábrica de móveis que fica em Linhares, no Espírito Santo, conta que com o dólar mais barato e o reajuste salarial do último ano, ele precisaria aumentar em pelo menos 10% o preço de seus produtos. No entanto, não conseguiu repassar mais de 5% para seus compradores, sejam brasileiros ou de fora. "Acabamos encolhendo significativamente a margem de lucro", conta o empresário.

Ulrich Kuhn, diretor responsável pela área internacional da Hering e presidente do Sindicato das Indústrias de Fiação, Tecelagem e do Vestuário de Blumenau (Sintex), diz que que a situação já estava ruim para as empresas desse ramo e ficou ainda pior neste ano, com o dólar encostando no nível de R$ 2. "A tendência é que elas diminuam ainda mais seu perfil exportador, que já vem sendo reduzido há alguns anos", projeta.

Em Santa Catarina as fábricas têxteis dividem-se entre as que produzem cama, mesa e banho e as de vestuário. No caso das primeiras, entre 40% a 50% da produção é exportada. E o custo do trabalho representa entre 13% e 17% do custo total de um produto. Como enxugar o quadro de funcionários é complicado, uma vez que já trabalham no limite, a solução, diz Kuhn, é reduzir o volume de produção.

O caso das indústrias de vestuário é mais delicado, pois o custo da mão-de-obra representa entre 30% e 35% dos itens que fabricam. "Apesar de essas empresas exportarem menos, elas sofrem até mais com a valorização cambial", diz o diretor da Hering. As empresas exportadoras têm boa parte de suas receitas em dólar. Com o real valorizado, o salário em dólar de seus trabalhadores sobe.

O rendimento médio nominal captado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em fevereiro deste ano foi de R$ 1.096, um valor 6,6% superior ao salário médio do ano passado. Quando transformado em dólares, segundo cálculos de Romão, da LCA, esse valor passa a US$ 523, 10,7% maior do que em de 2006.

Em uma comparação mais longa, que abrange os quatro primeiros anos do governo Lula, período em que o dólar médio caiu de R$ 3,08 em 2003 para R$ 2,18 em 2006, a discrepância é bem maior. Enquanto os salários nominais em reais subiram 16,3%, em dólares eles ficaram 73% mais caros.

Sergio Vale, da MB, diz que enquanto não há nenhum tipo de desoneração tributária para as indústrias que exportam e empregam muito, a internacionalização é uma das saídas encontradas pelas empresas. O problema é que ela só é viável para algumas grandes companhias. "Hoje sabemos que um tecido que é exportado para a China, transformado em roupa lá e que retorna ao Brasil, chega aqui com um preço mais baixo do que se a peça tivesse sido feita aqui", diz. Na avaliação de Vale, talvez o caminho da internacionalização seja inevitável. "É muito provável que esses segmentos tenham que optar por um mix de soluções, já que, no médio prazo, não há perspectiva de depreciação do real."