Título: UE apaziguando a Rússia
Autor: Jensen, U. Ellemann-
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2007, Opinião, p. A11

Mais uma vez, a Ucrânia está no olho de um furacão político. Confrontada com um possível golpe constitucional que teria limitado os seus poderes, o presidente Victor Yushchenko dissolveu o parlamento da Ucrânia e convocou novas eleições. Seu oponente político, o premiê Viktor Yanukovich, posiciona-se violentamente contra essa iniciativa, alimentando uma amarga luta constitucional que em última instância determinará a orientação futura do país.

A Ucrânia manterá a sua mudança de rota rumo ao Ocidente, como querem Yushchenko e seu aliado da Revolução Laranja Yuliya Tymoshenko, ou retornará ao abraço estratégico da Rússia, como desejam Yanukovich e seus aliados?

Foi a tentativa russa, apenas dois anos e meio atrás, de empossar Yanukovich como presidente por meio de uma deslavada fraude eleitoral, o fato que desencadeou a "Revolução Laranja". Após meses de disputas, Yushchenko reivindicou legitimamente a Presidência. Mas a revolução se extinguiu aos poucos, os antigos parceiros logo se envolveram em disputas, conferindo a Yanukovich e seus aliados uma oportunidade para voltar ao poder.

Ao longo deste período difícil, a União Européia decepcionou a Ucrânia, ao declarar abertamente que o país não deveria nutrir qualquer esperança de se tornar membro no futuro e justificando esta postura mencionando os seus problemas internos - o encalhado Tratado Constitucional - e o crescente sentimento público contra uma ampliação adicional.

Mas os líderes políticos na UE estão meramente se rendendo a temores infundados. Em vez de informar as suas populações sobre os benefícios econômicos e políticos advindos das ampliações recentes, a maioria está se aproveitando da "fadiga de ampliações" do eleitorado. Este fato negou à Ucrânia o farol que havia ajudado a nortear os demais Estados pós-comunistas - mais recentemente, a Bulgária e a Hungria - na direção de uma democracia ao estilo do Ocidente e do império da lei. Consequentemente, agora existe um risco evidente de uma nova divisão interna no país.

Mesmo os membros atuais da UE se sentem abandonados pela UE: paira uma sensação crescente nos três países bálticos, Polônia e Hungria, de que a UE está permitindo que sejam apertados pela Rússia, particularmente em política energética. Naturalmente, a condição de membro da UE confere a estes países uma maior sensação de segurança. Mas os membros antigos da UE causaram uma enorme decepção, ao ignorarem as preocupações de segurança dos seus novos membros em prol da preservação dos seus próprios laços com a Rússia, particularmente no tocante ao fechamento de acordos de energia, que acreditam que lhes assegurará os suprimentos.

-------------------------------------------------------------------------------- Membros antigos da UE causaram enorme decepção ao ignorarem preocupações de segurança dos novos membros, na tentativa de preservar seus laços com a Rússia --------------------------------------------------------------------------------

Outros países pós-soviéticos também estão experimentando pressões internas para se reorientarem na direção da Rússia e se sentem abandonados pela UE. Geórgia e Moldova enfrentam enclaves - Abecásia e Ossétia do Sul na Geórgia e a Transnístria em Moldova - dominados por russos com aspirações separatistas, que em grande parte são controlados a partir de Moscou. Os dois países sofrem com embargos comerciais russos impostos sobre os seus mais importantes produtos de exportação - vinhos e gêneros alimentícios.

Moldova parece estar prestes a ceder à pressão russa, em parte para atrair investimentos desesperadamente necessários, num momento em que pouca ajuda foi recebida do Ocidente, particularmente da UE. Na verdade, Moldova e Geórgia, a exemplo da Ucrânia, foram deixadas sem nenhum sinal claro da UE de que terão a perspectiva de se tornarem membros em algum momento no futuro.

A Rússia também está flexionando os seus músculos em torno da questão do futuro de Kosovo, suscitando objeções no Conselho de Segurança das Nações Unidas ao plano da ONU para independência e apoiando abertamente a meta da Sérvia de manter a sua supremacia sobre Kosovo. A Rússia argumenta que a concessão de independência a Kosovo poderá "criar um precedente" - uma ameaça velada destinada a mobilizar os seus agentes separatistas não só na Geórgia e em Moldova, mas também na região da Criméia, na Ucrânia.

Além disso, a Rússia vem fazendo insinuações sobre os muitos temores existentes dentro dos países da UE a respeito de potenciais demandas de autonomia feitas, por exemplo, pelos bascos na Espanha, os turcos no norte de Chipre e as vastas minorias húngaras na Romênia e Eslováquia. Todos esses países agora estão agindo com grande hesitação no debate sobre Kosovo, claramente influenciados pelas advertências russas sobre "estabelecer um precedente".

Mas este argumento desconsidera a diferença fundamental entre Kosovo e a situação em todas as demais regiões com grandes minorias nacionais. Enquanto Kosovo era parte de uma federação, a antiga República da Iugoslávia, os outros focos de problema potenciais da UE são todos integrantes de Estados-nação unitários. Portanto, a concessão de independência a Kosovo não gera um "precedente" de forma alguma.

A Rússia sabe disso, é claro. Ao usar os seus recursos energéticos e a confiança reconquistada para alimentar instabilidade e discórdia, porém, ela está procurando expandir a sua esfera de interesse - num desfecho que só poderá ser evitado por meio de uma resposta unânime e determinada da UE. Infelizmente, em vez de estender a mão para países ameaçados como a Ucrânia, o farol da UE permanece escuro e seus líderes, calados.

Uffe Ellemann-Jensen foi ministro das Relações Exteriores da Dinamarca de 1982 a 1993 e parlamentar entre 1977 e 2001. Ele foi líder do Partido Liberal Dinamarquês (Venstre) de 1984 a 1998 e presidente do Partido Liberal Europeu (ELDR) de 1995 a 2000.