Título: Presos pelo medo
Autor: Mariz, Renata
Fonte: Correio Braziliense, 16/12/2010, Brasil, p. 10

Levantamento do IBGE aponta: a população do DF é a terceira que mais se sente insegura no país - atrás de Pará e de Rio - e a mais equipada em casa com itens contra criminosos, como câmeras, cadeados e cercas elétricas

Percebida num volume cada vez maior de grades, cadeados, alarmes e vigilantes privados, a insegurança do brasileiro ganha contornos recordes no Distrito Federal. Além de ser a terceira unidade da Federação no país onde as pessoas mais sentem medo da violência, atrás apenas de Pará e de Rio de Janeiro, é a primeira em número de domicílios equipados com itens para evitar assaltos. Os dados fazem parte da pesquisa Características da vitimização e do acesso à Justiça no Brasil, divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o levantamento, 57% dos moradores da capital temem sair às ruas ¿ índice muito superior à média nacional, de 47,2% (veja o quadro ao lado).

Nos sete tipos de dispositivos de segurança pesquisados, o DF só não é recordista no item ¿cachorro¿. Instalar grades na janela ou porta, por outro lado, foi o recurso utilizado em 52% dos domicílios. Corrente no trinco da porta, interfone e olho mágico estão presentes em 37,7% dos lares. Muitos fazem uso de mais de um equipamento simultaneamente. Para Jorge Dieb, 52 anos, morador da Asa Sul, a salvação contra os ladrões se daria com a cerca elétrica, presente em quase 40% das residências do DF, incluindo similares, como telas de arame farpado, muros com cacos de vidro e alarme eletrônico. Mas a sensação de segurança se desfez há cerca de seis meses. Um ladrão entrou, por três vezes consecutivas, na residência de Dieb.

¿A polícia fez perícia, nos certificamos de que a cerca estava ligada, e mesmo assim fomos roubados. Agora, andamos sobressaltados, com medo de qualquer barulho¿, conta o paraense. Nos três assaltos, ele perdeu computador, documentos, dinheiro, cartões de crédito e até roupas. ¿É horrível ver tudo revirado, sem saber se alguém ainda está dentro da sua casa¿, lamenta.

Para o sociólogo da Universidade de Brasília (UnB) Antônio Flávio Testa, que estuda o fenômeno da violência, os itens utilizados pela população podem até desencorajar o bandido numa tentativa de assalto, mas não resolve o problema da violência. ¿Funciona, na verdade, como um paliativo. Reduzir a criminalidade coletivamente demanda outras ações de segurança pública, e não individuais¿, afirma.

Ele destaca, ainda, outro motivo para o DF despontar como a unidade da Federação com maior percentual de residências equipadas com itens de segurança. ¿Além da sensação de medo, temos também uma alta renda per capita, o que dá condições aos mais abastados de utilizar tais artifícios, enquanto a parte menos favorecida da população não tem saída¿, compara.

O custo da segurança privada consome, em um condomínio localizado no Jardim Botânico, 10% de toda a despesa mensal do conjunto. Para evitar assaltos, que já assustaram os moradores das 380 residências do local, foi instalado um sistema de identificação biométrico e também por cartão de aproximação, como nos estacionamentos de shoppings, junto às cancelas do condomínio.

Além disso, câmeras estão em diversos pontos do condomínio, cercas elétricas funcionam como uma espécie de extensão dos muros e uma equipe de vigilantes motorizados percorre as ruas do local 24h por dia. ¿Nossa despesa com segurança soma cerca de R$ 10 mil por mês. O retorno é a tranquilidade que temos aqui hoje em dia¿, conta João Ricardo Geaquinto, síndico do condomínio. Apesar do grande aparato instalado no local, o estudo do IBGE mostra que são os apartamentos, e não as casas, com maior número de acessórios contra roubos. ¿Talvez pelo fato de o apartamento ser predominante nas regiões metropolitanas, e, portanto, as mais violentas, temos mais equipamentos de segurança nesse tipo de domicílio¿, afirma Adriana Beringuy, uma das pesquisadoras responsáveis pelo levantamento.

Um dado importante verificado na pesquisa é a sensação de insegurança entre populações de estados considerados relativamente tranquilos, como Roraima, Ceará ou Rio Grande do Norte. Para Adriana, a explicação pode estar no fator imigração. ¿Muitas capitais dessas unidades da Federação começaram a receber comunidades do interior, às vezes sem infraestrutura para isso, o que pode levar à violência¿, destaca a pesquisadora. Outro ponto a ser interpretado, segundo Adriana, é a percepção diversificada de insegurança. ¿Uma ocorrência de assalto, mesmo que seja um evento marginal e pequeno, pode significar muito para uma população. No Rio de Janeiro, um assalto a mais ou a menos não vai fazer diferença¿, afirma.

CONTRA MULHERES De cada 10 mulheres que sofreram agressão física no último ano, 2,5 foram surradas pelos companheiros ou ex-companheiros dentro de casa, de acordo com os dados coletados pelo IBGE. Apesar das dificuldades inerentes à situação de violência doméstica, 57,1% delas procuraram a polícia. A falta de suporte, muitas vezes traduzida na ausência de uma delegacia especializada para a mulher, levou 12% a não formalizarem a denúncia. Em números absolutos, são 280 mil mulheres vítimas da covardia masculina no período analisado.