Título: Ogmo prejudica produtividade, diz estudo
Autor: Góes, Francisco
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2013, Política, p. A9

Há no meio empresarial quem considere que a Medida Provisória 595, com novas regras para exploração dos portos, abriu uma espécie de "caixa de Pandora". Se na mitologia, ao ser aberta, a caixa liberou todos os males do mundo, no setor portuário a MP criou insatisfação entre as empresas e mexeu com os sindicatos de trabalhadores, um dos mais antigas e organizados do país. A questão trabalhista transformou-se em um dos centros de disputa da MP. E trouxe à tona a discussão sobre a mão de obra portuária avulsa, que se apoia em um modelo que não estimula o aumento da eficiência e da produtividade, como mostra trabalho liderado pela Booz&Company e elaborado sob encomenda do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O modelo ao qual o trabalho se refere considera o uso de trabalhadores portuários avulsos (TPAs), requisitados pelos operadores em regime de turnos ocasionais. A oferta desses trabalhadores nos portos é administrada pelo Órgão Gestor de Mão de Obra (Ogmo), entidade civil de utilidade pública criada pela Lei dos Portos (8.630/93), revogada pela MP. Cada porto tem o seu Ogmo, que é constituído por operadores privados. No Brasil, o trabalho nos portos organizados pode ser exercido ainda por mão de obra vinculada aos operadores por tempo indeterminado, no regime CLT, mas, na prática, existe pressão social contrária ao exercício desse direito.

Um exemplo dessa pressão ocorreu com a Libra Terminais, no porto do Rio, que há cerca de cinco anos tomou a decisão de contratar trabalhadores celetistas e enfrentou reações de diversos grupos e setores. O Sindicato dos Estivadores e Trabalhadores em Estiva de Minério do Rio de Janeiro, que vai completar 110 anos em setembro, entrou na Justiça contra a Libra e o caso se arrasta até hoje, disse o presidente da entidade, Claudir Macedo.

O grupo Libra disse que a decisão pela vinculação no regime de CLT foi motivada pela necessidade de implantar política de treinamento, capacitação, multifuncionalidade e atendimento à crescente complexidade operacional. A Libra afirmou que não pode, porém, prescindir da mão de obra avulsa e qualificada para atender serviços especiais e oscilações de demanda.

O trabalho encomendado pelo BNDES, intitulado "Análise e Avaliação da Organização Institucional e da Eficiência de Gestão do Setor Portuário Brasileiro", destaca a importância de se ter mão de obra temporária nos portos, sobretudo nos casos em que há sazonalidade ou flutuação no volume de carga. Essa é uma condição comum a pequenos ou médios operadores que prestam serviços nos cais públicos dos portos organizados. Mas o trabalho faz recomendações para aprimorar o Ogmo. Sugere a formalização da mão de obra portuária avulsa, fazendo essa força migrar para o regime de CLT e estabelecendo uma regra de transição.

O estudo defende ainda a implantação de sistema de remuneração variável por produtividade e propõe aumento da flexibilidade no funcionamento do Ogmo, que opera em um sistema de rodízio obrigatório para dar chance a todos os trabalhadores de garantirem uma renda. O trabalho mostra que a Lei dos Portos não mexeu nos direitos dos sindicatos, mas instituiu um mecanismo novo para fazer a organização dos trabalhadores. Antes da lei, os próprios sindicatos indicavam, entre as pessoas cadastradas, quem ia trabalhar, em quais terminais e em que dias. Esse sistema tendia a beneficiar alguns trabalhadores. Ao tentar organizar melhor a dinâmica dos avulsos, o Ogmo tirou dos sindicatos a função de alocar diretamente os trabalhadores nos terminais e criou um regime de fila única de mão de obra.

"O modelo [atual] que rege o funcionamento do Ogmo não estimula a produtividade em ambiente cada vez mais competitivo em que os terminais querem buscar a eficiência, a produtividade e a redução de custos", diz Carlos Eduardo Gondim, diretor da Booz & Co. José Carlos Patitucci Leitão, diretor-executivo do Ogmo no Rio, contrapõe: "A Medida Provisória [595] não teria ratificado a regra do Ogmo se este não fosse um modelo melhor do que existia antes da Lei dos Portos." Mesmo com a ratificação do Ogmo, os sindicatos se rebelaram contra a MP, que libera os terminais privativos para utilizarem mão de obra celetista. Os portuários estão prometendo para hoje uma paralisação das 7h às 13h.

De acordo com o trabalho do consórcio liderado pela Booz, o cenário frequente nos portos é de excesso de trabalhadores nos Ogmos. O estudo indica a existência de contingente de cerca de 25 mil trabalhadores registrados nos Ogmos no Brasil. Um dos efeitos resultantes deste elevado contingente, segundo o trabalho, é a discussão sobre o tamanho dos ternos, as equipes que trabalham para determinada atividade na operação portuária durante um turno, que normalmente é de seis horas.

A situação levou a negociações para estabelecer acordos coletivos entre terminais e sindicatos. No Rio, a operadora Pennant fechou acordo com a estiva pelo qual conseguiu reduzir o terno em 50%, de 14 para 7 homens, disse Roberto Bomgiovanni, sócio e diretor-executivo da Pennant. Em contrapartida, a diária mínima por período de seis horas de trabalho aumentou 143%, de R$ 28 para R$ 68. Outros operadores no Rio fizeram acordos semelhantes ou ainda estão negociando. Se na história da "caixa de Pandora" só restou a esperança, na MP dos Portos a tentativa ainda é de conciliar interesses.