Título: Será difícil governar a Itália neste ano, diz analista
Autor: Saccomandi, Humberto
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2013, Internacional, p. A11

Independentemente de quem vença as eleições, "governar a Itália neste ano será muito difícil". É o que diz Nando Pagnoncelli, presidente da empresa de pesquisas Ipsos no país. Ele espera um segundo ano de recessão e acha inevitável novos cortes no gasto público, que vão gerar ainda mais tensão social.

A divulgação de pesquisas eleitorais é proibida na reta final da campanha, mas Pagnoncelli diz que a coligação de centro-esquerda está seis pontos à frente do centro-direita. E que a governabilidade da Itália será decidida pela capacidade do provável futuro governo de esquerda de formar uma aliança no Senado com o bloco centrista do premiê Mario Monti.

Sobre o ex-premiê Silvio Berlusconi, cuja coligação deve ficar em segundo, Pagnoncelli diz que ele sabe comunicar bem e explora a insatisfação dos italianos com a política de austeridade de Monti. Mas diz que perdeu credibilidade. Leia os principais trechos da entrevista. (Humberto Saccomandi)

Valor: Por que os italianos ainda votam em Berlusconi, que no exterior tem imagem tão negativa?

Nando Pagnoncelli: Há muitos motivos, ainda que hoje as intenções de voto sejam muito menores, quase a metade. Mas um partido não desaparece repentinamente.

Valor: Quem ainda volta nele?

Pagnoncelli: Muitos eleitores, em particular as mulheres, as pessoas com menos escolaridade, os mais idosos, os que vivem em pequenas cidades, veem nele um personagem que mudou a política italiana, por ter simplificado a linguagem, por que é um empresário que decidiu entrar na política. Esse é um pouco o sonho que ele alimentou. É claro que os resultados não foram positivos, e por isso uma parte muito importante dos seus eleitores o abandonou.

Há ainda uma outra componente do seu eleitorado, formada por pequenos e médios empresários, artesãos, comerciantes, profissionais liberais, sobretudo do Norte da Itália, que veem nele o homem de sucesso que podia levar o país ao sucesso. Esses estão optando por outros partidos, pois são os mais desiludidos com Berlusconi e seu governo. Já há uma parte do seu eleitorado, sobretudo a feminina, que está decepcionada com a vida privada de Berlusconi.

Valor: Isso levou à sua queda?

Pagnoncelli: Há outras causas para a queda do partido de Berlusconi, o PDL. A primeiro é que, no seu último governo, ele não enfrentou a crise. Pelo contrário, ele a escondeu, disse que não havia crise, que os restaurantes estavam cheios. E isso entrava em choque com o que uma parte importante do país estava vivendo. Essas pessoas não se reconheciam mais naquele governo que negava a crise.

Segundo, Berlusconi não é mais novo. Ele é candidato pela sexta vez em 20 anos. E na Itália hoje há um sentimento forte de antipolítica, que se exprime com a demanda de mudança. E ele não pode mais ser considerado um líder novo. É um senhor de 76 anos.

O terceiro aspecto importante, sobretudo para os empresários, é que, com o governo Monti, a maior parte dos italianos acredita que aumentamos a nossa credibilidade internacional. E isso ajuda nas exportações. Para poder crescer, a Itália precisa exportar.

Valor: A recuperação, então, se dará pela exportação?

Pagnoncelli: Sim. E a exportação é favorecida pela nossa credibilidade. Por isso, é difícil que os empresários mantenham o voto em Berlusconi. Ao mesmo tempo, Berlusconi usa temas que hoje são muito populares. O primeiro é a Europa. Na Itália, a confiança na Europa caiu 25 pontos percentuais, porque a Europa é considerada responsável pelas medidas severas que foram impostas ao nosso governo, pensam muitos eleitores. Assim, a Europa não é mais um polo somente positivo, mas, para uma parte importante do país, é um polo negativo. E Berlusconi tem disso muito crítica em relação à Europa e do euro.

Outro aspecto importante é que muitos foram fortemente punidos pelos aumentos de impostos. E ele propôs eliminar a IMU (imposto sobre imóveis instituído por Monti) e devolver o que foi pago em 2012. Mas, em 2006, quando Berlusconi conseguiu recuperar muita da desvantagem eleitoral que tinha, os eleitores acreditavam mais nele. Hoje acreditam bem menos. Berlusconi sabe comunicar muito bem e tem sintonia com uma parte do país, mas perdeu credibilidade e não é mais novo. Isso explica porque caiu muito nas pesquisas.

Valor: O sr. não pode divulgar os dados das pesquisas mais recentes, mas como está a disputa eleitoral?

Pagnoncelli: Nossas últimas pesquisas indicam que há uma distância de seis pontos a favor da coligação de centro-esquerda em relação à de centro-direita. E dizem também que ninguém terá uma maioria no Senado. A lei eleitoral italiana prevê um prêmio de maioria na Câmara dos Deputados. Isso significa que, quem vence em escala nacional, ainda que por apenas um voto, fica com 55% das cadeiras na Câmara. Mas o Senado tem base regional e é provável que, como aconteceu em 2006, não haja uma maioria. Assim, depois das eleições, para garantir a governabilidade, haverá a necessidade de uma aliança, possivelmente entre a coligação de centro-esquerda e a de centro, de Monti. Ou então, voltaremos a votar em breve, pois não se pode ter a Câmara com uma maioria e ao Senado sem maioria.

Valor: Uma aliança entre o centro-esquerda e Monti bastaria para ter a maioria no Senado?

Pagnoncelli: Uma aliança com Monti permitiria ter uma maioria. Permitiria ainda dar um pouco de continuidade à agenda Monti e ter um pouco de paz social, pois, se a coalizão se alarga, haveria um consenso maior em relação às reformas que deverão ser feitas.

Valor: Mas é possível fazer uma aliança entre a esquerda e o centro de Monti? Os sindicatos se opuseram fortemente à austeridade e às reformas trabalhistas de Monti?

Pagnoncelli: É isso que decidirá a capacidade de governo nos próximos anos na Itália.

Valor: Em relação à economia, quais são as perspectivas?

Pagnoncelli: Não são positivas. As projeções do Istat [instituto oficial de estatísticas] evidenciam que haverá uma nova queda do PIB este ano, ou seja, o país está em recessão há dois anos. Há uma queda do poder de compra dos cidadãos, da produção industrial e do consumo. Provavelmente, se for mantido aumento do IVA, o imposto sobre consumo, previsto para este ano, deverá haver um aumento da inflação. Assim, o quadro macroeconômico é negativo para este ano. Provavelmente, no último trimestre, as coisas começarão a melhorar. Ou seja, governar a Itália neste ano será muito difícil.

Muitos italianos reduziram seu consumo, e muito, e usaram as suas economias. Assim, a prioridade hoje não é voltar a consumiu como antes da crise, mas sim economizar, porque o quadro quanto ao futuro é incerto. Há muito pessimismo, há um desemprego jovem muito alto, o que obriga os jovens a permanecer na casa da família. Dois jovens em cada três, 68% entre 20 e 35 anos ainda vive com a família, e 37% estão desempregados. Diante desse quadro, as pessoas preferem economizar a consumir. Isso significa que a demanda agregada interna continuará fraca, o consumo não vai aumentar. Por isso, as empresas precisam exportar mais.

Valor: Será preciso mais corte de gasto público, mais austeridade?

Pagnoncelli: Acho que será inevitável. O problema é entender quais serão os custos sociais desses cortes de gasto. Não é simples de antecipar isso hoje. Você sabe que todo corte de gastos pode comportar o risco de mais desemprego, ou uma diminuição do gasto nas grandes despesas do Estado, que são previdência e saúde. Ou no funcionalismo e na educação.