Título: Governador reconhece erro na condução de crise
Autor: Di Cunto, Raphael
Fonte: Valor Econômico, 22/02/2013, Especial, p. A14

Bombeiros tentam apagar fogo de ônibus incendiado pela facção PGC: violência desencadeada por fim de regalias a presos e torturas nas penintenciárias

Estado com a menor taxa de homicídios do Brasil e um dos destinos de férias favoritos dos brasileiros, Santa Catarina vive atualmente a terceira onda de violência em dois anos e começa a ter abalada a imagem de paraíso turístico. Em entrevista exclusiva ao Valor, o governador Raimundo Colombo (PSD) procurou mostrar que superou o problema com a prisão de 150 integrantes do Primeiro Grupo Catarinense (PGC) e a transferência de líderes da facção para presídios federais, mas reconheceu ter errado ao manter no cargo o ex-diretor da Penitenciária de São Pedro de Alcântara, cujos atos teriam dado início aos atentados de novembro de 2012.

Responsável pela unidade de São Pedro de Alcântara, onde estavam os principais líderes do PGC, Carlos Alves teria torturado os presos depois que a mulher, Deise, foi assassinada a tiros enquanto dirigia o carro dele, que tinha vidros escuros. "Foi um erro [mantê-lo]. É um profissional do mais alto nível, honrado e pediu para voltar. Nossa equipe entendeu que deveríamos dar todo apoio, mas a interpretação foi equivocada", afirma Colombo. "O ideal, realmente, seria ele não ter voltado naquele momento", completa o governador.

Especialistas em segurança pública ouvidos pelo Valor criticaram a manutenção de Alves no cargo. Sob a condição de anonimato, a decisão do governador foi contestada até por aliados e por envolvidos nas operações. "Quando o oficial de segurança passa por uma situação traumática, o comando tem que afastá-lo, até para garantir a integridade do próprio oficial", afirma o ex-agente penitenciário e deputado estadual, sargento Amauri Soares (PDT), que faz oposição a Colombo na Assembleia.

O assassinato de Deise Alves teria sido cometido por integrantes da facção criminosa insatisfeitos com o "fim das regalias" na penitenciária. Investigação sob sigilo aponta que alguns presos tinham acesso a visitas fora de hora, até de prostitutas, e recebiam drogas, celulares e pizzas nas celas.

O governador não comenta os casos por ainda estarem em investigação, mas aponta o fim das "mordomias" como uma das possíveis causas dos ataques. "Estabelecemos uma política rigorosa de derrubada dos privilégios que existiam. Eram coisas inaceitáveis", diz. O endurecimento foi adotado também nas outras 48 unidades prisionais, que tiveram os diretores trocados por agentes penitenciários no início do novo governo.

Em São Pedro de Alcântara, onde estavam os principais líderes do PGC, o cerco às regalias e a disputa por poder dentro da prisão já causara uma primeira onda de violência, em abril de 2011, com quatro ataques a postos policiais.

Em novembro de 2012, os atentados ocorreram com mais intensidade. Foram 69 ataques de vandalismo a ônibus, postos de polícia e carros em 17 cidades. As forças de inteligência do Estado acreditam que a onda de violência foi causada por vários fatores: a proximidade dos dez anos do PGC (leia abaixo); o grande número de detentos (6 mil) em projetos de ressocialização, o que tiraria "mão de obra" do grupo; e uma demonstração de força contra as facções rivais, como o Amigos dos Amigos (ADA), grupo do Rio de Janeiro que começou a se instalar em meados do ano passado nos presídios catarinenses.

Esses fatores teriam sido inflamados pelos maus tratos promovidos por Alves após a morte da mulher e geraram a retaliação. A ação dos agentes penitenciários em São Pedro de Alcântara foi gravada por um dos detentos com um celular. As cenas foram colocadas em um CD e deixadas em uma delegacia. Inquérito da polícia detectou que parte dos presos foi alvejada por balas de borracha. O diretor pediu afastamento do cargo e os ataques cessaram momentaneamente.

Diretor do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Estadual e agente penitenciário, Wolney Chucre culpa o Estado pela violência ocorrida no local. "No dia fatídico, havia oito agentes para controlar 1,2 mil presos, quando o ideal seriam 36 agentes. Se houvesse pessoal suficiente, a história poderia ter sido outra", diz. O governador afirma que o déficit se deve pelo inchaço do sistema prisional, que em dez anos triplicou de tamanho - hoje é de 17 mil -, mas que abrirá concurso para contratar 300 novos agentes.

Após os ataques em novembro, houve novo endurecimento das regras nos presídios. Os familiares dos detentos passaram a ter que fazer duas revistas, uma ao entrar e outra ao sair, em que têm de ficar nus e agachados sobre um espelho, para evitar a entrada de celulares e drogas. Também foi reforçada a operação pente-fino nas celas.

Em janeiro, um agente penitenciário foi pego tentando entrar com drogas em São Pedro de Alcântara para entregar ao traficante "Rodrigo da Pedra", um dos líderes do PGC, que foi transferido à Penitenciária de Joinville depois disso. Um novo caso de tortura foi registrado, desta vez na Penitenciária de Joinville - registrado em vídeo e exibido por emissoras de televisão. E, no dia 25, a polícia prendeu a advogada Fernanda Freitas, que cuidaria das finanças da facção.

Cinco dias depois, voltaram os ataques contra ônibus, carros e postos da polícia. Até ontem, haviam sido 111 atentados em 36 cidades, segundo a Polícia Militar, que não contabiliza inúmeros atos de vandalismo sem o perfil da organização criminosa.

A população também foi prejudicada por uma greve do sindicato dos motoristas e cobradores de ônibus, que ameaçou parar completamente se não houvesse mais segurança. Mesmo escoltados por viaturas, os ônibus passaram a circular com a alteração nos trajetos a partir das 19h - situação que só foi normalizada ontem. O "toque de recolher" fez o comércio fechar alguns dias mais cedo para que os funcionários pudessem voltar para casa.

Os ataques só se acalmaram no fim de semana, quando a Força Nacional ajudou o Estado na transferência de 40 detentos para presídios federais de segurança máxima. Ao mesmo tempo, foi desencadeada ação que prendeu 105 pessoas, que a polícia aponta como o primeiro, segundo e até terceiro escalão do PGC. Nos dias seguintes, outras 45 pessoas foram detidas.

Para o promotor Alexandre Graziotin, que coordena o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de Santa Catarina, o perfil dos ataques pode ser explicado como forma de demonstrar força para as facções de outros Estados - essas foram as primeiras ações do PGC que ganharam grande repercussão. "No começo, o PCC [Primeiro Comando da Capital, de São Paulo] também não matava policiais. Mas isso mudou com o tempo", afirma.