Título: Bodas de rubi
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 07/05/2007, EU & Investimentos, p. D1

A Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) chega aos 40 anos em ótima forma e com grandes desafios adiante. A entidade, que acompanhou o desenvolvimento do mercado brasileiro de capitais e ajudou a construir um dos maiores setores de fundos de investimento do mundo, com R$ 1 trilhão sob gestão, ou 43,5% do PIB, terá agora de se ajustar a uma nova realidade de juros menores, mais emissões privadas e maior sofisticação dos investidores e dos gestores, afirma Alfredo Setubal, presidente da Anbid.

Em entrevista ao Valor, ele relembra a criação da Anbid, os momentos mais complicados vividos pela entidade, e fala dos desafios, como a nova legislação de fundos, a possibilidade de as carteiras investirem no exterior - que deve mudar a cara dos multimercados -, a enxurrada de ofertas públicas de ações e a necessidade de os gestores defenderem cada vez mais o interesse dos cotistas.

Valor: Como surgiu a Anbid?

Alfredo Setubal: Foi na reforma bancária de 1967, que criou as financeiras, os bancos de crédito imobiliário, os de investimento e os de desenvolvimento. Depois, os bancos de desenvolvimento desapareceram, mas o "D" continuou no nome da Anbid.

Valor: Como ela funcionava?

Setubal: Até 1990, a entidade defendia muito o interesse dos bancos de desenvolvimento nos assuntos ligados à dívida pública e das estatais. A Anbid coordenou a renegociação de todas as dívidas da Sunamam (Superintendência Nacional da Marinha Mercante), Siderbrás, que viraram moedas pobres e foram usadas depois no pagamento das privatizações. A partir de 1990, passamos a focar mais no mercado de capitais, com a abertura da bolsa para os estrangeiros e a indústria de fundos sendo melhor organizada. O Plano Collor criou os FAFs (Fundos de Aplicação Financeira), para substituir o overnight (aplicação de um dia em papéis públicos), e os fundos de commodities, que de commodities não tinham nada, eram de renda fixa de títulos públicos. E, em meados da década de 90, o Banco Central criou os Fundos de Investimento Financeiro (FIFs) e a CVM criou os carteira livre de ações. O mercado de capitais veio aos poucos voltando, até a grande explosão a partir de 2003 e 2004.

Valor: E os piores momentos?

Setubal: A renegociação das dívidas públicas que acabaram chegando nas moedas podres foi um momento difícil. Depois, o Plano Collor, não só para a Anbid, mas para todo o mercado financeiro, com o congelamento de ativos. E um terceiro momento foi a marcação a mercado, em 2002. Mas o Plano Collor, ao mesmo tempo, foi bom para o setor de fundos, pois acabou com o overnight e colocou no lugar os fundos de money market (curtíssimo prazo), que eram os FAFs e depois os fundos de curto prazo. Apesar das dificuldades, o Plano Collor acabou por popularizar a indústria de fundos.

Valor: E a marcação a mercado?

Setubal: Acho que foi uma crise grande, mas trouxe o benefício de dar ao setor um padrão de qualidade internacional. Tanto do ponto de vista das práticas administrativas quanto da gestão, principalmente nos fundos de renda fixa. Como as oscilações passaram a se refletir nas cotas, a gestão começou a ser mais sofisticada, com mais cuidados se alongava os prazos ou não. E obrigou o setor de fundos a diferenciar produtos de prazo mais longo, que não eram claros. Toda crise traz também coisas boas. A crise dos mercados de capitais levou à auto-regulação.

Valor: Como assim?

Setubal: Em junho de 1997, o mercado estava tão parado que eu e outros executivos nos reunimos na recém-criada comissão de mercados de capitais e o Jair Ribeiro (do antigo Banco Patrimônio) perguntou: o que podemos fazer para melhorar esse mercado? E na discussão, que reuniu nomes importantes do mercado, surgiu a idéia de criar uma auto-regulação para melhorar a transparência dos prospectos das ofertas públicas, para levá-las ao padrão internacional, mencionando riscos. Assim surgiu o primeiro código de auto-regulação da Anbid, que depois foi estendido para os fundos.

Valor: O que diferencia a Anbid de outras associações?

Setubal: Ela sempre teve, além da atuação política, um lado técnico, a preocupação com o banco de dados, e hoje é o grande banco de dados do mercado. E depois que o setor de fundos ganhou importância, a Anbid sempre teve uma orientação voltada para defesa dos interesses dos investidores. Isso cresceu nos últimos anos com a auto-regulação, com a parte educacional, uma cabeça de gestão fiduciária, separando bem os interesses proprietários de tesouraria do interesse dos clientes.

Valor: E hoje, quais os grandes desafios da Anbid?

Setubal: A área de representação dos associados, bancos e assets continua sendo o papel mais importante. E temos de funcionar bem. O mercado de capitais no Brasil tende a continuar em forte crescimento nos próximos anos. Temos de manter contato constante com CVM e Banco Central, para atualizar e melhorar a legislação.

Valor: E o que mais?

Setubal: Temos trabalhado com a CVM numa atualização da legislação de custódia. Ela é muito antiquada, do início da década de 80, ainda com conceitos equivocados em relação às práticas de mercado nacional e internacional. Como separação de custodiante e depositário. No mundo inteiro, custodiantes são os bancos, aqui os custodiantes são os depositários, como a CBLC e Cetip. Há uma confusão de conceitos que precisam ser revistos. Mas enquanto a lei não muda, fizemos a auto-regulação para a custódia, que é muito melhor que a legislação em temos de controle e fiscalização. Outro assunto que estamos discutindo é o aluguel de valores mobiliários. Hoje é um mercado relativamente pequeno, que tem o monopólio da CBLC, que somos contra. O mercado seria muito maior e melhor se os custodiantes pudessem alugar papéis, como é em qualquer pais.

Valor: E a auto-regulação?

Setubal: É outro desafio, manter o papel de representação e auto-regulação em um mercado de mudanças muito rápidas. Fizemos muito de auto-regulação em mercado mais calmo. Agora não. E isso vai exigir adaptações também da CVM e do BC.

Valor: Que pontos precisam ser melhorados na auto-regulação?

Setubal: Na gestão de ações, apesar da criação da Amec (Associação dos Investidores do Mercado de Capitais), que nós patrocinamos, a defesa do direito do investidor no mercado de ações é algo que precisa evoluir. A criação da Amec foi passo importante, de ter uma entidade organizada para defender acionistas e cotistas de fundos, mas os fundos ainda são passivos, por exemplo, no comparecimento a assembléias de empresas e isso precisa ser melhorado. Não adianta cobrarmos das empresas mais transparência, mais abertura e governança quando nós, gestores, não praticamos isso.

Valor: E como fica o setor com tanta mudança, juros caindo, fundos podendo investir no exterior?

Setubal: Os juros vão continuar caindo e afetando fundos e ofertas. Já vemos esse movimento, diminuem os fundos DI e crescem os renda fixa e outros produtos. Há uma crescente mudança no perfil do setor. A renda fixa deve continuar ocupando a maior parte, como ocorre em outros países, mas já se vê o segmento de multimercados crescendo bastante. O que ainda está devendo em termos de market share é fundo de ações. É ainda a menor parte dela.

Valor: E do lado do gestor, o que isso mudará?

Setubal: Leva à melhora da qualidade da gestão também. Há um investimento muito grande nos bancos e nos independentes na melhoria das equipes, na sofisticação dos produtos e no controle maior dos riscos.

Valor: E as taxas de administração, vão cair com juro menor?

Setubal: Já estamos vendo um movimento, bancos lançando fundos com taxa decrescente. Acho que na área de atacado e no mercado pré-private, private e institucionais, há pouco espaço para queda. No varejo, principalmente para fundos que aceitam aplicações de R$ 50, R$ 100, há espaço maior para redução. Mas o varejo também se segmentou, todos os bancos oferecem fundos com taxas mais baixas para quem quer aplicar R$ 10 mil, R$ 20 mil. Cliente que quer aplicar R$ 100, terá um fundo que rende um pouco mais que a poupança. Já quem tem R$ 10 mil, tem leque de produtos bem maior.

Valor: E a aplicação no exterior?

Setubal: Essa deve ser a grande mudança. Os multimercados vão passar por grandes transformações. Eles sofrerão o impacto mais rápido da liberdade para aplicar 20% no exterior. O cliente de renda fixa não está tão preocupado em diversificar risco. O de ações deve ter pouco impacto, pois o potencial da bolsa brasileira é maior no curto prazo. Nos multimercados, eles terão oportunidade de aplicar em outros mercados, maiores e mais líquidos que o brasileiro.

Valor: E o processo de certificação dos gerentes?

Setubal: Está indo bem, já temos mais de 70 mil. A certificação aproximou a Anbid dos profissionais do mercado, e não só das instituições associadas. A renovação será a cada quatro anos, com uma nova prova ou uma prova de atualização ou treinamento dados pelo próprio banco.

Valor: E a proposta da CVM da "suitability"?

Setubal: Já estávamos estudando uma proposta para definir critérios para oferecer produtos para cada perfil de cliente. Mas achamos que isso faz sentido para investidores qualificados, que é quem pode diversificar. O não qualificado está essencialmente em renda fixa. No varejo, o que temos de não renda fixa é pequeno. Nossa proposta vai ser nessa linha, começar com private, com pré-private. Fazer suitability para milhões de pessoas é complicado.