Título: Empurrão no investimento
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 16/12/2010, Economia, p. 16

Governo anuncia medidas de estímulo às grandes obras, com melhoria das regras dos financiamentos de longo prazo. Mas o pacote exigirá uma renúncia fiscal de R$ 605 milhões

A escassez de recursos para viabilizar grandes obras e diminuir a carência de infraestrutura no país levou o governo a anunciar um pacote de medidas financeiras destinadas a estimular o mercado de crédito de longo prazo. Com as soluções propostas, a equipe econômica quer estimular, principalmente, a participação do setor privado ¿ barateando os custos de captação ¿ e desafogar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que se tornou, nos últimos anos, a principal, senão a única, fonte de recursos para os megaprojetos no país. No conjunto, as propostas exigirá do governo uma renúncia fiscal de R$ 605 milhões.

¿Sempre tivemos pouco recurso de longo prazo, mas como antes não se investia, não fazia diferença. Os poucos projetos eram bancados pelo BNDES. O ciclo de crescimento que vivemos aumentou a necessidade de financiamento¿, afirmou ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ao anunciar o pacote. As medidas são ainda uma garantia para a realização dos empreendimentos contidos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). As perdas fiscais com as medidas foram informadas pelo secretário de Política Econômica, Nelson Barbosa. Mas, segundo ele, a recuperação dos créditos poderá gerar um efeito positivo na arrecadação futuramente.

O pacote começa pela isenção da cobrança de Imposto de Renda sobre os rendimentos de pessoas físicas interessadas em adquirir debêntures (títulos financeiros) emitidos por Sociedades de Propósito Específico (SPEs) ¿ empresas formadas por grandes consórcios responsáveis pelas obras de infraestrutura, como portos, rodovias e hidrelétricas. As pessoas que pagavam de 15% a 22,5% sobre os ganhos agora estão isentas. A meta é estimular a compra desses papéis e, consequentemente, a capitalização dos empreendedores, que, por sua vez, ganham fôlego para tocar as obras. As empresas, que atualmente recolhem 34% de IR nessas aplicações, pagarão 15%. O investimento estrangeiro de longo prazo também foi beneficiado. Os não residentes que comprarem títulos privados de empresas brasileiras também estarão isentos do Imposto de Renda sobre os ganhos.

Condições Para garantir que esses papéis não se transformem em títulos de curto prazo ou se desviem do objetivo proposto, o governo estabeleceu algumas condições. As debêntures das SPEs terão que ter duração total de 6 anos, aproximadamente, e será proibida a negociação, entre os compradores, antes de 4 anos. Não poderá ser recomprada pela SPE antes de 2 anos, terá pagamento de rendimento semestral e a emissão total não poderá ultrapassar o valor do projeto.

Será criado um fundo de liquidez para os títulos privados a fim de evitar o medo dos investidores de ficar com os papéis encalhados nas mãos. O fundo terá, inicialmente, recursos de cerca de R$ 2,2 bilhões e vai atuar comprando e vendendo, de forma a garantir ao aplicador, quando houver o desejo de desfazer dos papéis, maior facilidade de encontrar um comprador. O pacote também traz a eliminação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de até 30 dias nas operações de compra e venda de títulos privados e a regulamentação de ofertas públicas de Letras Financeiras pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Os papéis só podiam ser lançados por instituições financeiras privadas e agora o BNDES também poderá emiti-los.

O presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Construção de Base (Abdib), Paulo Godoy, elogiou as medidas. ¿Vamos criar um círculo virtuoso para a movimentação desses títulos, que vai gerar uma poupança de longo prazo. Tiramos das costas do BNDES o ônus de financiar toda a infraestrutura¿, observou. O presidente da instituição, Luciano Coutinho, prometeu que o banco de fomento vai complementar as medidas do pacote. Entre as ações, criará um programa de compra de debêntures de R$ 10 bilhões e atuará na formação de liquidez desses títulos.

DESCONFORTO Apressado para deixar as dependências do Palácio do Planalto e embarcar para São Paulo na comitiva do presidente Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acabou constrangendo o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho. Após anunciar medidas para estimular os financiamentos de longo prazo, Mantega concedeu a palavra ao colega, mas pediu celeridade na apresentação. Impaciente, interrompeu Coutinho e comunicou que o deixaria só. ¿Preciso ir. O carro do presidente é mais rápido que o meu e, se eu não sair, ele me deixa aqui, a pé¿, disse. Apesar do desconforto, o titular do BNDES prosseguiu no detalhamento das propostas.

Gás na infraestrutura

Confira as medidas anunciadas pelo governo para incentivar o crédito aos megaprojetos » Desoneração de Imposto de Renda sobre o rendimento de papéis emitidos por Sociedades de Propósito Específico (SPEs) ¿ empresas criadas para grandes projetos da área de infraestrutura: atualmente, os interessados na compra desses papéis pagam de 15% a 22,5% de imposto. A partir de agora, eles serão isentos. O objetivo é estimular o crescimento desse mercado.

» Desoneração de Imposto de Renda sobre o rendimento que estrangeiros obtêm na compra de títulos financeiros de qualquer empresa brasileira: a medida estimula a entrada de capital externo, o que aumenta a poupança de recursos vindos do exterior, que permanecem por mais tempo no país.

» Criação de um fundo financeiro que terá o papel de estimular um mercado secundário de títulos privados: a intenção é dar ao investidor a segurança de que, quando quiser ou precisar vender os papéis adquiridos, haverá compradores dispostos. É a mesma função já feita pelo Tesouro, no programa Tesouro Direto, no qual todas as quartas-feiras há um leilão de recompra dos papéis.

» Eliminação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de até 30 dias sobre a compra e venda de títulos privados: com isso, o custo dessas operações ficará menor.

» Regulamentação de ofertas públicas de Letras Financeiras (mecanismo recentemente criado pelo governo) pela Comissão de Valores Mobiliários: com negociações feitas publicamente, a expectativa é de que haja mais transparência e, consequentemente, maior procura dos investidores.

» Recuperação facilitada de créditos bancários, desobrigando as empresas a pagarem imposto de renda sobre as renegociações de antigas dívidas de uma só vez: o objetivo é diluir o ônus pelo período do financiamento.

» Redução do IOF sobre a entrada de capital estrangeiro de 6% para 2% para fundos de investimento em participações e de fundos mútuos de investimento em empresas emergentes, tradicionalmente de longo prazo: essa medida procura corrigir uma distorção da elevação da tarifa para o ingresso de recursos externos, que tinha como objetivo barrar apenas o capital de curto prazo.

Fonte: Ministério da Fazenda