Título: Um final fascinante de uma campanha que tomou o país
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2007, Internacional, p. A13

A eleição presidencial deste fim de semana capturou a imaginação dos franceses como não ocorria há anos. Anteontem, mais de 20 milhões de pessoas acompanharam por duas horas e meia um debate pela TV entre a socialista Ségolène Royal e o gaullista Nicolas Sarkozy - quase a mesma audiência que assistiu à final da Copa do Mundo em 2006. Comícios em todo o país atraíram dezenas de milhares de pessoas. O comparecimento às urnas no primeiro turno da eleição foi o mais alto desde 1974. No momento em que os franceses se preparam para fazer sua escolha, a expectativa em relação ao início de uma nova era, após 12 anos de estagnação sob Jacques Chirac, é tão alta que quase preocupa.

Os dois rivais estão na política há anos, mas há um ar de novidade nessa eleição. Nenhum deles jamais disputou a Presidência. Royal é a primeira mulher a chegar ao segundo turno. Sarkozy é o primeiro candidato à Presidência cujo pai não é francês (escapou do regime comunista húngaro após a guerra). Ambos emprestaram políticas do outro lado do divisor de águas ideológico. Ambos prometem, de diversas maneiras, virar a página e promover reformas rápidas para modernizar a França.

Mas é a disputa pelo voto de centro, travada em termos de valores e personalidades, e não de diferenças de políticas, que predominou nas duas semanas finais da campanha. Isso é muito importante para Royal, que teve menos votos que Sarkozy no primeiro turno - 26% contra 31%. Para garantir maioria no segundo turno, ela precisa de uma grande parcela dos quase 7 milhões de eleitores (18,6%) que apoiaram François Bayrou, o candidato centrista. Royal descartou qualquer acordo com Bayrou antes do primeiro turno. Agora, ela vem assediando seus eleitores desenfreadamente.

Tendo anteriormente se recusado a apoiar os dois atuais candidatos, Bayrou disse ontem que seguramente não votaria em Sarkozy. Implicitamente, já havia dado seu apoio a Royal quando participou de um debate com ela na TV. Eles discordaram sobre a política abraçada por Royal (demasiado centrada no Estado, disse ele) mas assentiram sobre a necessidade de fortalecer a responsabilidade democrática de prestação de contas. Royal disse que não descartaria nomear Bayrou seu primeiro-ministro.

Para Bayrou, esse exercício bizarro visou menos ajudar Royal do que servir seus próprios propósitos de mais longo prazo. Ele quer criar um novo partido centrista para as eleições legislativas de junho.

Royal também precisa executar manobras arriscadas. Ela está cortejando o eleitorado de centro e os socialistas moderados. Mas precisa também assegurar os votos da extrema-esquerda. Ela chegou a encomendar um relatório sobre globalização e segurança alimentar a José Bové, ativista antiglobalização que já foi preso por destruir uma lanchonete da rede McDonald's.

O único elemento de união nesse improvável companheiros de viagem é a hostilidade a Sarkozy. Numa crítica virulenta, Bayrou denunciou seu "temperamento" e "pendor por intimidação e ameaças". Royal o chamou de "perigoso". Ela contrasta seu próprio programa, de "reforma com calma e serenidade", com o "caminho de brutalidade" e "divisionismo" do adversário. Ela representa "valores humanitários", insiste Royal, de modo vago, contra a filosofia "cada um por si" do oponente.

Sarkozy tem, provavelmente, a aritmética eleitoral a seu favor, embora a Frente Nacional, de Jean-Marie Le Pen, tenha exortado seu eleitorado a se abster, o que lhe custará parte dos 10,4% de votos da extrema-direita. Sarkozy tem reputação de competência, o que falta a Royal. No início da campanha, ela cometeu uma série de gafes em política externa. Mais recentemente, mudou de opinião com surpreendente rapidez sobre uma anistia para imigrantes ilegais e um novo modelo proposto para contratos de trabalho para jovens. Sarkozy, em contraste, manteve uma linha notavelmente invariável, repetindo sua incansável exortação por mais empregos, menos impostos e respeito à lei. Pode-se dizer que intensificou sua mensagem de direita, atacando a herança de "tolerância e frouxidão" da revolta estudantil de maio de 1968.

O debate confirmou em larga medida essas diferenças. Royal pronunciou generalidades: "Meus impostos terão o nível necessário para promover a justiça social", disse, quando indagada sobre a reforma no sistema de aposentadoria. Sarkozy passou uma imagem mais tecnocrática, não se desviando de sua plataforma política. A grande surpresa da noite foi o fato de Sarkozy, habitualmente caricaturado como agressivo e tempestuoso, ter ficado com freqüência na defensiva e conseguido manter a compostura. Royal, por sua vez, exibiu um desempenho agressivo pontuado por intensa irritabilidade. Em determinado momento, sobre a questão de vagas para crianças deficientes, acusou Sarkozy de "mentir" e de "imoralidade política", declarando-se "escandalizada" e "muito zangada" com ele. Reunindo toda a sua gravidade, e com uma dose de ironia, Sarkozy retrucou: "Para ser presidente da República, é preciso ter calma".

Uma pesquisa de intenção de voto havia sugerido que os eleitores viam Sarkozy como mais "vigoroso" e "coerente", ao passo que Royal seria mais "simpática". Tendo visto o lado hostil e combativo da socialista no debate, alguns eleitores talvez revejam essa avaliação. Isso pode fortalecer Royal. Mas talvez não seja suficiente para conquistar os indecisos. Tendo o apoio de 51% a 54% em todas as pesquisas desde o primeiro turno, Sarkozy permanece o favorito.