Título: O Brasil na economia internacional
Autor: Hage, José
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2007, Opinião, p. A14

Os assuntos sobre questões energéticas sempre marcaram presença nos debates políticos em todo o século XX. Em alguns momentos eles emergiam de modo direto, caso da crise da Opep, de 1973, em que ficou claro o peso que o petróleo exerce na vida político-econômica dos países, industrializados ou não. Em outros instantes históricos, os temas de energia também marcaram presença, mas não de forma direta, como ocorreu com o concerto anglo-francês para administração do Oriente Médio após a derrota dos turcos, em 1918. Com o final da Primeira Guerra passou a ficar claro que se preocupar com aquela parte do mundo não era somente um apego à necessidade da paz, mas também de segurança energética.

E sem se prender a reducionismos, que normalmente existem no assunto sobre temas energéticos, há como se verificar que a "questão petróleo" guarda ainda muito peso nos negócios internacionais. Sobre esta afirmação pode-se ver o empenho dos Estados Unidos em cortar parte de sua dependência dos hidrocarbonetos importados do Oriente Médio e outros.

O que era evidente em todo o século XX não deixou de sê-lo no atual. Ao contrário, pois está cada vez mais evidente que as questões energéticas são um capítulo complexo da atividade política em todas as suas vertentes, valendo de igual forma para a congênere internacional. Quer dizer, debater e cuidar da energia passou a ser também uma tarefa da área externa que deverá, cada vez mais, dar conta de um tipo de assunto que há muito tempo passou a ser interesse diplomático.

Este século jogou luz nas tensões mais graves que os estudiosos da energia e da política poderiam esperar. O petróleo mais bem valorizado no mercado internacional, o arabian light, por carregar menos metal pesado, está com os dias contados. Dependendo da metodologia dos cálculos, o energético deve durar até 2050 para, daí, passar a declinar. Já outros variantes com maior presença de chumbo, ainda com contabilidade razoável para acabar a partir de 2100, não são de uso conveniente por causa da forte complicação do meio ambiente, do aquecimento global que já se faz presente. No campo dos pesados encontra-se o petróleo chinês.

O petróleo pesado, ao contrário do arabian light, tem contratempos não somente no aspecto ambiental, mais poluidor: ele também é complicado em sua comercialização em virtude das dificuldades no refino.

Por isso, a conformação da geopolítica energética, em parte, pode se alterar em virtude do exposto acima. Claro, não sem os esperados conflitos de várias dimensões, pois a questão petróleo ainda é grande importância para os peso-pesados da política mundial, Estados Unidos, China e Rússia, cada um com suas particularidades em face da necessidade de hidrocarbonetos, comprando ou vendendo-os.

-------------------------------------------------------------------------------- Deve-se contar com a possibilidade do Brasil ser convocado a ocupar lugar de destaque em um tema que não pode haver vacilo --------------------------------------------------------------------------------

Contudo, se ocorrer a transformação da geopolítica na energia, o Brasil poderá ocupar lugar de destaque no fornecimento de energia, de biocombustíveis derivados de insumos renováveis e, por conseguinte, na política internacional. Daí vem a pergunta: será que o Brasil já está pronto para ocupar um lugar de preeminência, justamente em uma área tão delicada politicamente? Eis uma indagação que não se limita, nem pode, apenas aos tomadores de decisão profissionais, da burocracia especializada. De igual modo, o tema convoca os empresários mais bem situados para se ocupar de problema da maior importância ao país: a possibilidade de o Brasil ser convocado a ocupar lugar de destaque em um tema que não pode haver vacilo.

Por quê? Porque é evidente que assuntos energéticos tocam, em primeiro grau, ao Estado. Mas não só de Estado deve desenvolver a economia da biomassa. Aliás, ninguém duvida disso. A questão de fundo é saber sob quais regras e garantias o setor de produção de etanol terá para obter a consecução da segurança energética em um tópico que depende amplamente do empresariado específico e de seu empenho para a produção ótima do etanol.

A burocracia pública não planta cana. Quem se encarrega da produção é o agente empresarial e, por ser assim, o Brasil deverá ter, de modo franco, um projeto estratégico para que fique patente o papel a ser desempenhado por cada um dos setores. Nessa estratégia, o Estado tem de ser o garante para que a produção canavieira tenha as condições necessárias para fim esperado: infra-estrutura adequada, portos, estradas e uma boa atividade política para o setor.

Já do lado empresarial a certificação de que sua atividade não deve ser volátil e vulnerável aos estilos econômicos da moda. O que temos de evitar é aquilo que aconteceu no ano de 1990, em que houve crise do abastecimento de álcool com relativo poder de estrago para os consumidores. O que podemos dizer é que aquela crise foi fruto de um embate mal resolvido entre os "canavieiros" e o poder público, fazendo cabo-de-guerra com assunto que, guardada as devidas proporções, poderia ter o efeito semelhante à crise da Opep, de décadas antes, se ocorresse na atualidade, ainda mais com a grande quantidade de veículos Flex que rodam atualmente. Privilegiar a produção de açúcar refinado em detrimento do álcool foi uma maneira do setor compensar as mudanças da economia externa.

O que temos de observar são as ferramentas políticas encontradas em alguns dos países industrializados, cuja autoridade e estratégia não estão em jogo por causa de modismos, nem em virtude das alterações programáticas dos partidos políticos. Caso do Reino Unido, que conseguiu estabelecer uma linha coerente de conduta respeitando a tarefa do Estado e do empresariado.

Ocupar lugar de destaque na área da energia certamente traz mérito e prestígio para o Brasil. Mas a advertência tem de ser antecipada como prudência: se houver vacilo ou crises internas no etanol, o estrago que tal ato fará na política brasileira será maior do que se o país se limitasse somente a exportar café. Claro, todos nós torcemos para que isso nunca aconteça.

José Alexandre Altahyde Hage é doutor em Ciência Política Pela Unicamp e professor de Relações Internacionais da Trevisan e da Unibero (Anhanguera Educacional).