Título: Papa encontrará Igreja em crise com Lula
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 04/05/2007, Especial, p. A16

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá encontrar-se com o papa Bento XVI no pior momento de sua relação com a Igreja Católica. Depois de frustrar no primeiro mandato as expectativas da militância católica de esquerda, o presidente agora irrita todos os segmentos da cúpula da Igreja, por meio do novo ministro da Saúde, José Gomes Temporão.

Desde que assumiu , em 19 de março, o ministro colocou em debate temas como a liberação do aborto e das pesquisas com células tronco provenientes de embrião. Estes assuntos se somam a outros com defensores dentro do governo, como a descriminalização de drogas leves e a união civil homossexual.

São todos temas presentes na agenda de países como Espanha, Portugal e Itália. Ao formularem propostas que permitiam a união civil homossexual e o aborto, os governos de José Luiz Zapatero, José Sócrates e Romano Prodi tornaram-se alvo preferencial dos ataques desde sua eleição em 2005 e sua declaração de guerra ao que identificou como um processo de extinção dos valores religiosos no mundo ocidental. O próprio presidente tomou o primeiro plano do que alguns bispos vêem como "ofensiva laica" ao associar as críticas ao uso de preservativos sexuais com uma atitude hipócrita diante do mundo, em discurso no dia da Mulher.

No meio episcopal, os mais identificados com a esquerda petista demonstram grande preocupação com a dimensão que o conflito poderá tomar. "Há um radicalismo de ambos os lados que impede o diálogo e que está crescendo, desde que este tema foi colocado", comentou o bispo de Jales (SP), dom Demétrio Valentini.

Eleito ontem por unanimidade novo presidente da CNBB, o arcebispo de Mariana (MG), dom Geraldo Lyrio Rocha, ainda não se pronunciou sobre a polêmica. Mas em homilia na assembléia da entidade no ano passado, disse: "É doloroso constatarmos como em sua legislação sobre a vida e a família os nossos Países se afastam cada vez mais dos princípios éticos e cristãos". Desde 2003, dom Geraldo Lyrio- um moderado visto com simpatia pela ala progressista do clero - é o segundo vice-presidente da Conferência Episcopal Latino-Americana (Celam) e recebeu há menos de um mês uma deferência do papa Bento XVI, que o transferiu da arquidiocese de Vitória da Conquista (BA) para a cidade mineira, onde sucede a dom Luciano Mendes de Almeida, falecido no ano passado e um dos grandes líderes do episcopado brasileiro nas últimas duas décadas.

A perplexidade em ver o tema do aborto incorporado na agenda de discussões semanas antes da visita do Papa é grande sobretudo em razão da excelente relação que Lula sempre cultivou com um segmento da Igreja e em função do modo como o governo começou.

Ao montar seu primeiro ministério, Lula nomeou quatro ministros, três assessores diretos e dois altos funcionários com passado marcado pela militância católica de esquerda. Tiveram sua origem nas Comunidades Eclesiais de Base a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva e o então ministro da Pesca, José Fritsch. Na Pastoral Operária estiveram o secretário particular, Gilberto Carvalho e o ministro das Cidades, Olivio Dutra. Haviam militado nas fileiras da Juventude Estudantil Católica o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles e o encarregado do programa de Combate à Fome, José Graziano. Amigos íntimos de Lula eram os assessores Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, e o secretário de Imprensa, Ricardo Kotscho. Ligado à Comissão Pastoral da Terra, Marcelo Resende assumira o Incra.

Pouco resta desta base no governo. Sobrevive no ministério Marina Silva, desde 2004 em companhia do ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, muito ligado à Igreja. Ex-assessor político da Pastoral da Terra e da Pastoral Operária, Paulo Vannuchi assumiu em 2005 a secretaria de Direitos Humanos. Entre os assessores, ainda está no governo Gilberto Carvalho.

Também diminuiu a presença católica no PT. Saíram do partido militantes católicos como o ex-vice-prefeito de São Paulo, Hélio Bicudo, o ex-deputado Plinio de Arruda Sampaio e o ex-vereador Francisco Whitaker. Parte migrou para o P-SOL , em um movimento relacionado com o envolvimento do PT no escândalo do mensalão, em 2005.

No episcopado, a aposta é que a Igreja Católica pode obter solidariedade de outros segmentos dentro do PT para bloquear esta pauta. Um sinal neste sentido se deu na recente visita de Temporão a Fortaleza. O ministro assistiu a um protesto contra a discussão sobre o aborto liderado pelo deputado petista Luiz Bassuma (BA). "Dentro do PT há uma ala compromissada com uma espécie de radicalismo pequeno burguês. Mas àqueles que tem vivência sindical e compromisso com os interesses populares, não têm maior ligação com isso", disse o bispo auxiliar de Salvador, dom João Carlos Petrini.