Título: Descriminalizar, regulamentar, liberar?
Autor: Soares, Gláucio
Fonte: Correio Braziliense, 16/12/2010, Opinião, p. 29

Pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ

O debate a respeito da descriminalização/legalização da maconha tem sido mais político e ideológico do que científico. É necessário informação precisa sobre custos e benefícios. Há usos médicos. A maconha tem sido usada, com sucesso, para reduzir a dor, aumentar o apetite e reduzir a náusea, particularmente a derivada do câncer (ver o Institute of Medicine ¿ IOM). Porém, as pesquisas se concentram nos usuários e não nos que a usam para fins terapêuticos: no Canadá, país que legalizou o consumo da maconha, há centenas de pesquisas, mas apenas 31 sobre os usos medicinais. Isso faz que saibamos mais sobre os problemas do que os benefícios da maconha.

Há quem defenda o uso psiquiátrico, mas a análise custo/benefício é negativa, particularmente entre os geneticamente vulneráveis. Como saber de antemão se somos ou não geneticamente vulneráveis?

Há muitos negativos. O uso frequente produz dependência, que varia com a quantidade de THC no produto, que produz efeitos contraditórios no que concerne à ansiedade. Em baixa quantidade pode ser calmante; em alta, produz ansiedade e pode produzir ataques de pânico. Algumas doenças mentais são incompatíveis com a maconha, começando com a bipolaridade. Um dos efeitos mais devastadores do uso é reduzir a duração de cada fase.

Em algumas pessoas ¿ não em todas ¿ a maconha pode causar depressões: mais uma vez os efeitos da maconha variam muito entre os usuários. Esquizofrênicos e pacientes com outras psicoses são muito afetados ¿ para pior. Porém, um dos argumentos de mais peso contra a legalização é que várias pesquisas sublinham que jovens e adolescentes podem desenvolver psicoses devido ao uso da droga. Assim como os aspectos positivos, medicinais, os negativos são baseados em pesquisas.

Não sabemos se a maconha aumenta o risco de ter uma desordem de tipo ansiedade que não seja transitória. A maior parte das pesquisas foi feita com usuários sem grupo de controle. Muitas concluíram que os usuários sofrem de ansiedade, mas existe a possibilidade de endogenia ¿ as pessoas ansiosas têm maior propensão a usar a maconha ¿ e não está descartada a hipótese de que haja efeito derivado da síndrome de abstinência: os que sofrem com a síndrome voltam a usar a maconha.

A questão está tão ideologizada que tudo é colocado em dúvida. Muitos usuários afirmam que a maconha os acalma, mas as pesquisas revelam que ataques de pânico e de ansiedade atingem de 20% a 30% deles. Há um quase consenso de que os mais afetados são os que nunca usaram antes.

Há importante questão sobre quem paga os custos dos problemas e acidentes causados por usuários (e não só da maconha). Ramaekers, Berghaus, van Laar e Drummer pesquisadores da Maastricht University, baseados em pesquisas experimentais e epidemiológicas, descrevem os problemas causados no trânsito da Holanda, o país modelo dos consumidores: o THC causa deficiências na capacidade de dirigir.

O impacto da maconha distingue entre usuários recentes e antigos. As pesquisas mostram que o uso recente aumenta os erros e o risco de colisão, mas não o antigo. Os autores citam outras pesquisas que demonstram que usuários recentes têm responsabilidade nas colisões ¿ de três a sete vezes maior do que a dos não usuários. O THC reduz e torna mais lenta a cognição, a função psicomotora e o desempenho do motorista em geral ¿ que ficam piores com o aumento da dose. São dosedependentes. A redução no desempenho causado pela presença de THC no sangue até 300 microg/kg é equivalente à causada pelo limite legal de álcool no sangue (BAC) >/=0.05 g/dl naquele país.

A maconha não afeta todas as funções que compõem a capacidade de dirigir de maneira igual. As respostas ¿automáticas¿ são mais afetadas do que as que requerem controle consciente.

Legalizados o consumo e a venda, como regulamentar? Os consumidores poderão dirigir? Pilotos de avião e motoristas comerciais deverão se submeter a exames periódicos? O leitor viajaria em um avião pilotado por um alcoólatra ou maconheiro? Como saber? O leitor se submeteria a intervenção cirúrgica nas mesmas condições? Como saber? O uso combinado de maconha e álcool, que é frequente, produz problemas graves no desempenho cognitivo, psicomotor e no dirigir como tal, aumentando dramaticamente o risco de colisão e de atropelamento. Os atropelamento são socialmente desiguais (há muito mais pessoas de classe média e alta entre proprietários de veículos e motoristas do que entre os pedestres atropelados. Por isso, uma preocupação extra deve ser tomada para que o uso de drogas, legais ou não, não amplie na morte uma desigualdade que condenamos na vida.