Título: Chávez poderá mudar as leis por decreto
Autor: Sabadini, Tatiana
Fonte: Correio Braziliense, 16/12/2010, Mundo, p. 33

VENEZUELA Governistas aproveitam emergência provocada pelas chuvas e aprovam poderes extraordinários para o presidente. A partir de janeiro, oposição terá número para fazer obstrução

Hugo Chávez está a poucos passos de governar a Venezuela com poderes quase absolutos. Em uma manobra bem-sucedida, a Assembleia Nacional começou a votar um pacote de leis que permitirá ao presidente legislar por decreto durante um ano, restringir o acesso da população à internet e transformar o sistema universitário. A ofensiva chavista se antecipa à perda da maioria qualificada para o governo na próxima legislatura, que se inicia em 2011. Na avaliação de muitos opositores, o país caminha para uma ditadura, embora os aliados de Chávez defendam a medida como necessária para consolidar o ¿socialismo do século 21¿.

As chuvas das últimas semanas, que devastaram diversas regiões da Venezuela e deixaram quase 180 mil desabrigados, serviram de pano de fundo para os planos do presidente. O chefe de Estado solicitou a aprovação de uma lei que lhe permita governar por decreto para atender à situação de emergência. O texto, porém, permite que Chávez intervenha também em áreas como finanças, infraestrutura e habitação, segurança, defesa nacional, sistema socioeconômico, cooperação internacional e ordenação territorial. ¿Se a desculpa é a emergência atual, isso é uma piada para todo o nosso povo, incluindo os que votaram em deputados do partido do governo¿, afirma Henrique Capriles, governador opositor do estado de Miranda, no norte do país.

A atitude de Chávez, no entanto, não surpreende. Em 11 anos de poder, o presidente utilizou a mesma manobra em 2000, 2001 e 2008, para aprovar mais de 100 leis. ¿Ele está tentando criar uma condição para continuar legislando sem enfrentar os opositores, além de preservar sua capacidade de ação política decisiva e independente. Todos sabem que a crise causada pelas chuvas é um pretexto, um problema real que pode ser bem aproveitado¿, analisa Alcides Costa Vaz, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília( UnB).

Denúncia Um grupo de legisladores apresentou denúncia contra o pacote legislativo chavista à representação da Organização de Estados Americanos (OEA) em Caracas. Em nota, eles afirmaram que também devem entrar em contato com o Mercosul e a União Europeia, ¿para que o mundo inteiro saiba sobre uma política que censura não apenas os direitos políticos, econômicos e sociais, como a capacidade de legislar¿. Para os oposicionistas que integram a Mesa de Unidade Democrática, o projeto de lei fere a Constituição. ¿Mais uma vez, o governo mostra seu caráter autoritário, arbitrário e antidemocrático¿, disse à imprensa local o deputado eleito Tomás Guanipa.

O pacote aprovado na Assembleia Nacional inclui a Lei das Telecomunicações e a das Universidades. O grande debate, em ambos os casos, é o papel do Estado. O governo poderia proibir sites que ¿incentivem a alteração da ordem pública, induzam ao homicídio ou constituam propaganda de guerra ¿ em nome de preservar as crianças. Na educação, o governo pretende ter mais controle sobre as universidades, inclusive as privadas, cuja autonomia deve ser restringida.