Título: Para Ideli, PMDB manterá espaço na Esplanada dos Ministérios
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2013, Política, p. A6

Ideli: "Nós temos uma situação de insustentabilidade com o PDT. E PDT, vou ser bem franca, é um assunto da presidenta"

Apesar dos afagos recentes da presidente Dilma Rousseff ao PMDB, dificilmente a representação do partido sofrerá alguma mudança na Esplanada dos Ministérios. Essa pelo menos é a opinião da ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti (PT), sempre com a ressalva de que a reforma é um assunto que só a presidente conhece em seu conjunto. Aliás, reforma não, "ajuste", como diz a ministra da coordenação política do governo. Ideli acha grave o racha do PDT entre os grupos do presidente do partido, Carlos Lupi, e do ministro Brizola Neto (Trabalho). Uma situação, segundo Ideli, "insustentável" e que precisa ser rapidamente equacionada. A ministra confirmou, em conversa com o Valor, que o PSD ficará com a Secretaria de Micro e Pequenas Empresas e a provável volta ao governo do PR - primeiro alvo da faxina ética de 2011, quando o partido perdeu o Ministério dos Transportes.

Ideli anunciou que a agenda legislativa do governo dará prioridade à "pauta federativa", que inclui a unificação da alíquota do ICMS nas transações interestaduais, na cobrança no destino do ICMS nas vendas eletrônicas, projeto que sofre forte oposição dos deputados de São Paulo. Está na pauta também a mudança do indexador das dívidas estaduais e municipais e o reequacionamento dessas dívidas. O governo preocupa-se com a decisão do Supremo Tribunal Federal que derrubou a liminar que suspendeu a votação do veto da presidente à redistribuição dos royalties do petróleo, mas não deliberou sobre o que fazer com os mais de 3 mil vetos na pauta do Congresso. A seguir, a entrevista concedida ao Valor:

Valor: Haverá reforma ou um ajuste no ministério?

O PSDB está numa crise profunda. Eles têm uma crise de projetos, de propostas. [As que existem] não têm apelo"

Ideli Salvatti: Um ajuste. Eu não tenho a menor dúvida de que vai ser só o ajuste. Não consigo dizer a extensão do ajuste. O primeiro deles, já ficou público, nós estamos administrando a votação da criação da Secretaria da Micro e Pequena Empresa.

Valor: O PR quer voltar e o PMDB, ampliar. Serão atendidos?

Ideli: A presidente tem uma maneira de operar nessa questão muito centralizada, eu diria até que é absolutamente centralizada. Ela conversa pontualmente, dá tarefas pontuais. Uma célula não sabe o que a outra está fazendo. A gente, obviamente, pela convivência sabe mais ou menos o que pode ser. Por exemplo: tem que equacionar a história do PDT, a situação está insustentável.

Valor: A relação do presidente do PDT, Carlos Lupi, com o ministro Brizola Neto (Trabalho) está extremamente tensionada.

Ideli: Chega num ponto que não serve a ninguém. Não serve ao governo, não serve ao trabalho do próprio ministério, não serve à relação partidária. Nem sempre você consegue fazer uma equação que atenda a tudo. Ao governo, ao partido, à relação com o Congresso. Agora não equacionar em nada é insustentável. E atualmente nós temos uma situação de insustentabilidade nessa questão do PDT. E PDT, vou ser bem franca, é um assunto da presidenta, até por ela ter vindo do PDT. Pelas relações, pelo conhecimento, pelas amizades muito sólidas e antigas dela com lideranças do PDT.

Valor: E o PR volta?

Ideli: Foram vários gestos. Ela marcou uma reunião aqui que era para ser de meia hora, ficou duas horas e meia com o [Alfredo] Nascimento [senador e ex-ministro dos Transportes], o [Anthony] Garotinho [deputado e líder da bancada] e o senador Rodrigues Fernandes, lá de São Paulo. E foi boa. Também com o próprio PDT ela fez conversas. O Lupi esteve duas vezes aqui. Tem a história do PSD, que vai ter essa equação [Micro e Pequena Empresa]. E eu não consigo vislumbrar modificações em termos de PMDB.

Valor: A campanha eleitoral não está muito antecipada?

Ideli: É que pelo andar da carruagem, a perspectiva de reeleição da presidenta Dilma é grande. Ela é favorita. Uma situação como essa acaba provocando dois tipos de sentimento. Os que estão há bastante tempo afastados acabam entrando um pouco no desespero, no sentido assim de "mais uma vez nós vamos ficar fora". E para os que gostariam de entrar um sentimento assim de "vamos começar a construir alguma coisa". É um pouco o que a gente está vivendo hoje. O PSDB está numa crise profunda. Eles têm uma crise de projetos, de propostas.

Valor: Propostas existem muitas, o problema não é outro?

Ideli: Elas não têm apelo. Não têm capacidade de mobilizar. Além disso, continuam profundamente divididos. Não têm unidade, não têm o que apresentar para convencer.

Valor: A senhora vai ser candidata?

Ideli: Vai depender de muitas coisas. A situação política de Santa Catarina ainda está muito assim [indefinida]. E a minha possibilidade de ser candidata está diretamente ligada a ter alguma viabilidade de candidatura ao Senado. A própria presidente, algumas vezes, deixou claro que seria interessante se eu tivesse condição de voltar ao Senado. Mas a prioridade, a tarefa fundamental, neste momento, é tocar isso aqui, tocar as questões nacionais. Dependendo da viabilidade, posso ser candidata. O que é um pouco o que a Gleisi [Hoffmann, da Casa Civil] está fazendo também. Ela não deixa de marcar as presenças lá no Paraná, mas a prioridade dela é a atividade daqui. O que está muito claro é que a nossa prioridade é com ela [Dilma]. A própria Gleisi já disse: "se tiver um sinal da presidente que é para continuar, vamos continuar". A presidenta nos deu uma grande honra. Acho que tanto eu quanto a Gleisi temos o mesmo tipo de sentimento.

Valor: Qual é a agenda legislativa do governo para 2013?

Ideli: A pauta federativa é preponderante. No caso do ICMS há duas pautas que são iniciativas do governo. A primeira é a do ICMS sobre as transações, a venda eletrônica, que nós já aprovamos no Senado. Na Câmara nós já percebemos que haverá mais dificuldade porque a bancada de São Paulo fechou questão de que não vota e não deixa votar. A transação eletrônica é uma modalidade de venda que cresce exponencialmente. Triplica, quadriplica a cada ano. E as principais distribuidoras têm a sede em São Paulo. Então o ICMS fica todo em São Paulo, praticamente. Não é também para ficar tudo na ponta, mas distribuir.

Valor: O que mais é prioridade na pauta federativa?

Ideli: A unificação da alíquota interestadual do ICMS, que tem o projeto de resolução, que é só o Senado que vota e, para dar segurança à resolução da unificação, tem a medida provisória que cria os dois fundos: um trata da compensação para os Estados que vão perder com a unificação do ICMS e o fundo de desenvolvimento regional, que é exatamente para substituir os efeitos da guerra fiscal que os Estados adotam para atrair investimentos.

Valor: Há anos essa reforma é cogitada, mas ninguém faz.

Ideli: O ICMS, na realidade, é o imposto mais pesado. Se você pegar tarifa de energia elétrica - os tucanos vieram com aquela bobagem de tirar o piso -, o que pesa na tarifa de energia é o ICMS. Tem Estado que chega a cobrar mais de 40% de ICMS na conta de luz. Além de ser um imposto pesado, alíquota pesada, é poder para o governador, porque é uma deliberação de peso significativa que está na alçada do governo.

Valor: O que mais está na pauta federativa, além do ICMS?

Ideli: A questão das dívidas. O indexador da dívida, vai mexer em algumas questões da Lei de Responsabilidade Fiscal. Tem até possibilidade de caminhar para alguma como o reequacionamento da dívida, desde que a aplicação do recurso esteja vinculado a áreas prioritárias. Tem muito governador e prefeito pedindo. Não sei se pode ou não vingar, vai depender das tratativas. Esta é a pauta federativa de iniciativa do governo. É prioridade nossa para 2013.

Valor: O Supremo Tribunal Federal derrubou a liminar que determinava ao Congresso votar os vetos em ordem cronológica. O que o governo achou da decisão?

Ideli: Para nós era importante o Supremo ter dado uma palavra final sobre o que pode e o que não pode, de preferência que fizesse a modulação. Isso inibiria qualquer tipo de recurso ao próprio Supremo.

Valor: O governo vai questionar a decisão do STF?

Ideli: O que se imaginou que poderia acontecer é algo semelhante ao que aconteceu com as medidas provisórias. Lembra que também houve um impasse quando mudou o rito das medidas provisórias. As que não tinham sido votadas foram convalidadas. Até aqui não foi cumprido, gera insegurança, questões judiciais delicadas? Então passa uma régua, convalidando o que existe, e daqui pra frente a obrigatoriedade de cumprir o rito de montar comissão, aquela coisa toda. Então se imaginou e alguns ministros falaram mais ou menos nessa linha de ter uma modulação nesse sentido. A maior parte dos ministros sinalizou a necessidade de ter uma modulação. Obviamente é impossível 3 mil e tantos vetos serem apreciados, só que eles falaram. mas o que não está nos autos não gera efeitos. Falaram, mas não deliberaram sobre isso. Depois tem o seguinte: não significa que a gente não votou nenhum veto. Teve pouquíssimos, mas teve veto derrubado, que fugiu da ordem cronológica. A outra coisa é a seguinte: se não seguir a ordem cronológica da apreciação dos vetos, suspende a votação de todas as outras matérias? Todos os orçamentos, créditos, estão todos anulados, pelo menos em tese. Qualquer questão relacionada a um orçamento em que alguém se sinta prejudicado pode acionar a Justiça. A decisão do Supremo abre uma janela de possibilidades. Não significa que vai acontecer obrigatoriamente, mas que pode acontecer, pode.

Valor: O Congresso já quer votar Orçamento e o veto dos royalties semana que vem.

Ideli: A posição do governo é pela manutenção do veto. É prerrogativa da presidente da República, ela usou da prerrogativa. Agora nós não temos, obviamente, óbice para que o Congresso exerça seu poder de apreciação do veto. A questão dos royalties, no Congresso, é amplamente majoritária. Eles conseguiram, naquele requerimento [para que o veto da presidente à nova modalidade de redistribuição dos royalties fosse votado à frente dos mais de 3 mil vetos em pauta], mais de 400 assinaturas. É aquela história: água morro abaixo, fogo morro acima, os parlamentares querendo votar royalties, é meio inevitável. Mas a nossa preocupação é que não é só uma situação. Nós temos outras situações de veto. Naquele levantamento que o [Luís Inácio] Adams [advogado-geral da União] fez para o memorial aos ministros do Supremo, ele listou um conjunto de vetos que, se derrubados fossem, nós teríamos algo em torno de quase meio trilhão em acréscimo nas despesas do governo, porque tem desde veto de Refis, questões trabalhistas, previdenciárias, tributárias, até de fator previdenciário. É algo bastante, bastante pesado. Sem contar com as inseguranças jurídicas, que são absurdas. Nós temos situações, inclusive, de contradições entre os próprios vetos. Só na área da questão de Código Florestal, nós temos várias. Depois de todo o trabalho que a gente teve para construir o mínimo de convergência nas duas posições extremas, a gente derruba o veto e começa tudo da estaca zero de novo? É inimaginável.