Título: Candidato usa brecha para disputar eleição
Autor: Di Cunto, Raphael
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2013, Política, p. A12

Depois dos políticos com a ficha suja que abandonaram a disputa em outubro para eleger parentes no lugar, uma nova brecha na Lei da Ficha Limpa permitirá que um candidato que teve o registro negado em outubro e que causou a anulação do resultado dispute a nova eleição neste domingo, já com a ficha limpa - a inelegibilidade acabou em dezembro.

A disputa judicial, hoje nas mãos do Ministério Público Eleitoral de Santa Catarina, deve chegar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda nesta semana e pode abrir um precedente para a candidatura de políticos próximos do fim do período de inelegibilidade da Ficha Limpa, de oito anos.

Foi essa brecha que o ex-deputado estadual Décio Góes (PT) usou para concorrer à Prefeitura de Balneário Rincão (RS), cidade de 10 mil habitantes fundada em 1º de janeiro. O petista venceu em outubro com o apoio de 50,3% dos eleitores - diferença de 51 votos para o segundo colocado -, mas teve a candidatura negada por irregularidades cometidas na eleição de 2004, quando tentava a reeleição como prefeito de Criciúma.

Promulgada em 2010, a Lei da Ficha Limpa, além de barrar a candidatura de pessoas condenadas em segunda instância, mesmo que ainda seja possível recorrer da decisão a tribunais superiores, ampliou o número de infrações que podem tornar um político inelegível e aumentou de três para oito anos o período em que ele não pode concorrer.

Foi o caso de Góes. A pena por abuso de poder político teria sido extinta em 2007, mas foi estendida por mais cinco anos com a nova lei, até 2012. Com o argumento de que a inelegibilidade iria até o dia 4 de outubro - portanto, três dias antes da eleição passada -, o petista concorreu, mesmo com decisões desfavoráveis da Justiça Eleitoral.

Venceu a eleição, mas o TSE ratificou, por quatro votos a três, a decisão do tribunal regional, de que a inelegibildade só acabaria em dezembro, e indeferiu a candidatura. O resultado obrigou o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina (TRE-SC) a marcar nova eleição, para 3 de março, porque mais de 50% dos votos foram anulados.

Em janeiro, porém, o petista já tinha cumprido o período de inelegibilidade e registrou nova candidatura. O Código Eleitoral veta que o candidato que causou a anulação da eleição anterior "em razão da prática de uma ilicitude eleitoral" participe da renovação dela.

É nesse trecho da lei que o advogado de Góes, Mauro Prezotto, se apoia para dizer que seu cliente está apto a concorrer. "O que ele fez foi buscar no Judiciário o direito de ser candidato. A inelegibilidade não era incontroversa, tanto é que três ministros do TSE foram contrários", afirma. "É diferente de quem sabe que é inelegível e recorre só para atrapalhar a eleição."

Por cinco votos a dois, o TRE-SC aceitou a tese e deferiu a candidatura. O adversário, Jairo Custódio (PMDB), porém, entrou com recurso no TSE para reverter o julgamento. "Foram três decisões negativas à candidatura, mas o Góes preferiu concorrer mesmo assim. Se ele não foi o responsável por anular o pleito, quem foi?", questiona Pierre Vanderlinde, advogado do pemedebista.

O TSE não terá tempo de julgar o recurso antes da eleição de domingo. Se o tribunal divergir do TRE e indeferir o registro de Góes, a vitória do petista significará a realização de outra eleição - a terceira do município. Se o TSE mantiver a candidatura, pode influenciar outros políticos.

"Entendo que os que concorrerem enquanto questionam a inelegibilidade na Justiça poderão disputar a nova eleição se não estiverem mais inelegíveis", diz Prezotto. "Isso abrirá a porteira para candidatos que vão preferir dar causa à nulidade para concorrer depois, finda a sanção", afirma Vanderlinde.