Título: Sequestro vai atrasar reação dos EUA
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 01/03/2013, Internacional, p. A13

Os controversos e temidos cortes automáticos de gastos do governo americano começam a valer a partir de hoje, com a previsão de reduzir em US$ 85,3 bilhões as despesas no ano fiscal de 2013, que termina em outubro. Se um acordo entre democratas e republicanos não evitar o chamado "sequestro", o crescimento dos EUA neste ano pode sofrer um tranco não desprezível, ainda que haja muitas incertezas sobre como será o real impacto sobre a economia.

A consultoria Macroeconomic Advisers, por exemplo, estima que o Produto Interno Bruto (PIB) americano crescerá 2%, e não 2,6%, se os cortes de gastos forem de fato promovidos. Para o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês), a expansão do PIB em 2013 será de 1,4%, e não de 2%, caso o "sequestro" se concretize. Segundo o CBO, 750 mil empregos deixarão de ser criados ou mantidos até o fim do ano. Funcionários públicos devem ser dispensados do trabalho alguns dias por mês, deixando de receber por esse período.

O presidente Barack Obama tem encontro marcado para hoje com os líderes dos dois partidos, mas a perspectiva de que saia um acordo é pequena. Obama quer uma solução que envolva aumento de impostos e cortes de gastos. Os republicanos não aceitam elevação de tributos, depois de terem concordado com alta da taxação para os mais ricos no fim do ano passado, nas negociações para evitar o chamado abismo fiscal. Num Congresso polarizado, com maioria republicana na Câmara e democrata no Senado, as conversas não têm chegado a lugar nenhum.

O presidente do Federal Budget Group, Charles Konigsberg, diz que o "sequestro" terá efeitos sérios sobre a economia. Segundo ele, os US$ 85,3 bilhões, a serem cortados entre março e outubro, não são uma quantia desprezível, ainda que representem algo como 0,5% do PIB americano ou 2,3% do Orçamento. Ex-diretor-assistente do Escritório de Orçamento e Gestão da Casa Branca, Konigsberg destaca ainda que os cortes automáticos impõem reduções de modo generalizado, tirando autonomia dos órgãos do governo para definir como diminuir as despesas. Metade dos US$ 85,3 bilhões se refere a dispêndios militares.

O CBO estima que serão cortados US$ 42 bilhões até o fim do ano fiscal de 2013, e não US$ 85,3 bilhões. A questão é que desembolsos de programas como compra de grandes sistemas de armas e o término de grandes projetos de construção podem levar anos, diz a instituição. Com isso boa parte das reduções restantes de gastos deve ficar para o ano fiscal de 2014.

"O impacto macroeconômico do sequestro não é catastrófico", afirma relatório da Macroeconomic Advisers, observando, contudo, que "a restrição fiscal indiscriminada" vai se somar a uma alta de impostos de quase US$ 200 bilhões. Essa combinação, nota a consultoria, ocorrerá num cenário em que a economia ainda luta para superar o legado da recessão que se seguiu à crise de 2007-2008 e no qual o Federal Reserve (Fed, o banco central) enfrenta limitações para compensar a contração fiscal. Os juros já estão no chão e a instituição faz uma política agressiva de injeção de dinheiro na economia, por meio da compra de títulos de longo prazo e hipotecas.

Obama pinta um quadro extremamente dramático caso o "sequestro" não seja evitado. O presidente chegou a dizer que os cortes vão custar "centenas de milhares de empregos", afetando duramente a recuperação da economia. Segundo a Casa Branca, "serão atingidos serviços vitais para crianças, idosos, pessoas com doenças mentais e militares". Passageiros de aeroportos podem enfrentar grandes filas - a Agência de Administração Federal informou que os 47 mil empregados devem ser dispensados uma vez a cada 15 dias.

O caos, porém, não deve se materializar logo, o que, para alguns analistas, pode enfraquecer a posição do presidente, que terá outras batalhas fiscais para travar com os republicanos nos próximos meses. Em 27 de março, há o risco de paralisação parcial do governo se o Congresso não aprovar uma lei que permita financiar o custeio do dia a dia da administração. Em meados de maio, entrará em cena mais uma vez a discussão sobre o limite para o teto da dívida.

O "sequestro" que começa hoje foi definido na tensa negociação realizada em 2011 que acabou por elevar o teto do endividamento público americano. Na ocasião, ficou decidido que, se um comitê conjunto entre democratas e republicanos não chegasse uma solução estrutural para a questão das contas públicas, os cortes automáticos garantiriam a redução das despesas em US$ 1,2 trilhão nos dez anos seguintes. Se o "sequestro" não for derrubado, haverá cortes de US$ 109 bilhões anuais até 2021.

Konigsberg diz ter "esperança" de que, passadas algumas semanas, os congressistas consigam algum acordo. O risco de "fechamento" do governo - o que ocorreu em 1995, na administração de Bill Clinton - pode ajudar a que os partidos façam um acerto.

Há analistas que não escondem a impaciência com o comportamento dos políticos, como a ex-vice-presidente do Fed, Alice Rivlin. "A população os elegeu para resolver problemas e há muitos deles para serem resolvidos: criar mais e melhores empregos, reformar as nossas leis de imigração, abordar a mudança climática e controlar a violência relacionada às armas. Mas nada disso vai ocorrer se os políticos continuarem passando de uma crise orçamentária que destrói a confiança para outra. Então, parem com o sequestro, deixem de culpar uns aos outros e trabalhem num acordo sensato sobre o Orçamento, que fortaleça a recuperação e coloque a dívida numa trajetória sustentável. Não é tão difícil!", escreveu ela, em artigo publicado pelo Brookings Institution, um centro de estudos do qual ela é pesquisadora-sênior.