Título: Prepare-se para os 100 anos
Autor: Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2007, EU & Investimentos, p. D1

Contam os ingleses que era costume a própria rainha mandar uma carta de felicitações a cada súdito que completava 100 anos. A prática, porém, caiu em desuso nos últimos tempos, dado o grande número de pessoas que alcança a marca. Pudera, só no Brasil, país bem menos desenvolvido, já se estima que mais de 30 mil pessoas tenham completado ou até ultrapassado o centenário. É um sinal do que o chefe do programa de envelhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS), Alexandre Kalache, chama de "revolução" na longevidade. No ano 2000, havia cerca de 600 milhões de pessoas no mundo com mais de 60 anos. Em 2050, serão mais de 2 bilhões. E, segundo estima o especialista da OMS, não tardará o momento em que, no mundo todo, já haverá milhões de pessoas com mais de 100 anos, algo impensado algumas décadas atrás.

A perspectiva de viver tantos anos a mais vai exigir também uma outra revolução: a de hábitos e costumes. "O planejamento é o conceito-chave, tanto do ponto de vista social, como psicológico e financeiro", avisa Kalache. Trata-se de escolher, como definiu o economista Eduardo Gianetti da Fonseca, entre ficar na posição de credor ou de devedor com relação ao próprio futuro. "Quando alguém adia o consumo para ter um prazer ou perspectiva maior no futuro está na posição credor, mas se a pessoa prefere ter prazer hoje e não pensar no amanhã, torna-se devedor", resume Gianetti, que tratou do tema no livro "O Valor do Amanhã". Radicalizar tanto para um lado quanto para o outro, porém, pode ser perigoso. O ideal, dizem os especialistas, é buscar o equilíbrio.

Mesmo sem ter imaginado que viveria tantos anos, a aposentada Nelly Rodrigues está feliz por ter seguido essa receita. As economias e o planejamento, além da atividade constante, permitem que ela mantenha hoje, aos 89 anos, aquilo que mais preza: sua independência. "Eu moro sozinha, não tenho nem acompanhante", orgulha-se. Diretora de escola quando estava na ativa, ela ocupa seus dias com a leitura de jornais, livros e passeios. "Saio sempre que posso, mesmo se não tiver companhia, não deixo de fazer nada por causa disso", completa. Um de seus afazeres é administrar seus recursos, aplicados em poupança, planos de previdência privada que iniciou há muitos anos - quando pouco se falava no assunto -, e até ações. Graças ao pé-de-meia, pode viver tranqüila e sem precisar de ajuda de familiares às vésperas de completar 90 anos.

Aos 79 anos, o casal Samuel e Tania Schnaider também foram previdentes. Economistas e com conhecimento do mercado, eles se preocuparam desde cedo com a formação de um patrimônio. "Não queríamos precisar de ajuda dos filhos e netos, queríamos até poder ajudá-los", diz Samuel, que é gerente aposentado da Bunge. Nessa tarefa, Tania ajudou bastante, já que sempre se interessou pelo mercado de ações. "Eu freqüentei muito a Bolsa do Rio quando ainda tinha pregão aqui, era uma investidora ativa", lembra ela.

Hoje, além de aplicações em fundos, o casal mantém uma carteira de 'blue chips', mas sem giro, e ficam com os dividendos. "Investimos em Petrobras, Vale do Rio Doce, AmBev e Banco do Brasil, hoje não movimento mais a carteira", explica Tania. Segundo Samuel, eles tiveram a vantagem de poder fazer aplicações em um período favorável. "Hoje, já chegamos no patamar em que queríamos e estamos administrando esse resultado, tivemos sorte, porque não é mais tão fácil encontrar oportunidades como antes", diz ele, lembrando que os juros estão em queda e que a bolsa já subiu bastante.

Samuel, Tania e Nelly participaram nesta semana do II Forum sobre longevidade organizado pela Bradesco Seguros e Previdência. Durante o evento, que contou com vários convidados da terceira idade, os especialistas ressaltaram outro detalhe importante: os brasileiros que pertencem às classes A e B devem se preparar para viver ainda mais do que projeta a média dos indicadores nacionais. Kalache, da OMS, dá o exemplo de um prédio de luxo que fica próximo a uma favela no bairro do Morumbi, em São Paulo. "Os moradores do prédio têm uma expectativa de vida 14 anos maior que a dos do outro lado do muro", diz ele, lamentando que ainda existam também países pobres, como a Serra Leoa, onde a longevidade média é inferior a 35 anos. "Isso é inadmissível com tantos progressos", diz.

Outro dado para reflexão dos brasileiros é que, em vários países em desenvolvimento, como o Brasil, o fenômeno da longevidade deve ser ainda mais acentuado. "Na França, foram 115 anos para a proporção de idosos sair de 7% para 14% do total, sendo que, no Brasil, ela deve pular de 9% para 18% em apenas 18 anos", revela o especialista da OMS. Ele lembra que, na década de 50, a expectativa de vida média no Brasil era inferior a 50 anos e hoje já é de 73 anos. Note que essa expectativa é ao nascer, e aumenta conforme a idade.

E para quem acha que ainda é jovem e não precisa pensar no assunto, Kalache tem dois lembretes. O primeiro é de que o processo de aumento da expectativa de vida vai continuar. "São acrescidos em média 2,5 anos por década", diz ele.

O segundo é que quanto antes se começar o planejamento, mais resultados serão conseguidos e com menos sacrifícios. "Mas isso não quer dizer que os mais velhos não devem começar a ter essa preocupação, achando que já é tarde, nunca é, não importa quando se comece a planejar, sempre haverá benefícios, mas quanto antes, melhor", diz.

Mas a saúde financeira é apenas um dos aspectos que ajudam a ter um futuro melhor. Segundo Kalache, a atividade física e mental, além dos cuidados com a saúde são fundamentais. "São aspectos que se completam, não adianta guardar dinheiro e estar deprimido e sem saúde para usufruir", diz Kalache.

Ele lembra que, ao mostrar os dados sobre a maior longevidade, as reações são muito distintas. "É a história do copo que está meio cheio ou meio vazio, tem gente que pensa: que bom, vou viver mais e outros que não gostam da idéia", afirma. "Mas a longevidade maior é uma realidade, o importante é fazer uma planejamento em vários aspectos para lidar bem com ela", conclui.