Título: BC recusa uso de novo critério da CVM
Autor: Bautzer, Tatiana
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2007, Finanças, p. C5

O Banco Central não usará os critérios da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para apuração de patrimônio líquido e alavancagem nos bancos que estão em processo de abertura de capital. A CVM está determinando critérios diferentes do Banco Central para contabilizar a venda de carteiras de crédito nos balanços consolidados, que em alguns casos resultaria numa exigência maior de capital.

O Banco Central diz que cada regulador tem exigências próprias e que a reversão de vendas de carteiras ordenada pela Comissão de Valores Mobiliários em algumas demonstrações não terá efeitos sobre a posição patrimonial das instituições. A mudança também não deve afetar o cálculo do capital mínimo.

Depois de muita discussão com a Comissão de Valores Mobiliários, Banco Cruzeiro do Sul retomará o processo de venda inicial de suas ações em duas semanas. A instituição suspendeu a oferta há algumas semanas informando que estava em discussões contábeis com a CVM.

Agora o banco atenderá aos novos critérios de contabilização da venda de carteiras. A nova versão do prospecto aos investidores trará, além dos balanços já publicados, uma demonstração consolidada atendendo à CVM e revertendo as operações de securitização da carteira de crédito por meio de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, o balanço do primeiro trimestre de 2006 pelo critério CVM não mostrará prejuízo, mas um resultado muito baixo. O banco continuará mostrando bons lucros no ano passado.

Serão revertidos os resultados apurados com a venda de FIDC, dividindo seu reconhecimento de acordo com o prazo da carteira. Haverá reconhecimento integral das despesas de 15% a 20% pagas aos "pastinhas" - pessoal que oferece as operações de crédito consignado para o público, na rua - para fechamento dos empréstimos consignados, principal nicho do banco.

O reconhecimento imediato da despesa e de longo prazo da receita foi exigido pela CVM. A maior parte dos recursos arrecadados na emissão de ações será usada para aumento de capital da instituição.

O Banco Central e a CVM começaram a discutir conjuntamente as regras para abertura de capital de bancos em março. Mas o BC destaca que os critérios adotados agora pela CVM não mudarão nada na avaliação feita pelo BC em relação à proporção entre patrimônio e ativos de crédito. "Recentemente, a CVM comentou que pretende exigir do Banco Cruzeiro do Sul a consolidação dos FIDCs, por entender que o banco retém o risco de crédito nas cessões realizadas para os FIDCs. Tais demonstrações financeiras consolidadas são distintas daquelas exigidas pelo Banco Central. Vale observar que não são incomuns as diferenças de tratamento contábil para a elaboração de demonstrações consolidadas (...) a exemplo de leasing financeiro, passivos atuariais e passivos contingentes", informou o BC em resposta às questões do Valor.

Usando empréstimo do UBS Pactual, que está coordenando a operação de venda de ações, o banco fez dois aumentos de capital para suportar o crescimento de sua carteira nos últimos meses. Irá a mercado com um patrimônio de cerca de R$ 400 milhões, depois de um aumento de capital de R$ 75 milhões em dezembro e outro de R$ 150 milhões em março. O total de ativos da instituição será de R$ 2,5 bilhões. Desde os últimos aumentos de capital, o banco está num ritmo de geração de R$ 250 milhões de carteira de crédito ao mês, praticamente o dobro da média mensal no ano passado.

Segundo dados do Banco Central, o Cruzeiro do Sul fechou dezembro com ativo total de R$ 2,117 bilhões, patrimônio líquido de R$ 262 milhões e lucro de R$ 47,8 milhões. O balanço publicado nos jornais pela instituição no fim do ano passado mostrava carteira de crédito total de R$ 1,335 bilhão, e R$ 2,341 bilhão considerando as operações vendidas para FIDCs.

"O Banco Central avalia o cumprimento dos limites operacionais por intermédio das demonstrações consolidadas por ele exigidas, as quais são divergentes daquelas requeridas pela CVM para companhias abertas", informou a diretoria de normas. Segundo o BC, não há conflito entre a CVM e o BC nesta questão porque até hoje o BC não estabelece regras para contabilidade de venda de carteiras para FIDCs.

Em alguns casos considera-se que os bancos estão retendo a maior parte das receitas mas tirando o risco do balanço. Em toda venda de FIDC no mercado o emissor retém ao menos 20% do total como cota subordinada, para cobertura de inadimplência. Mas há bancos que mantém participação acima de 50% no total da emissão. Acabam ficando com maior parte da receita dos créditos, mas a carteira não é usada para cálculo do patrimônio mínimo porque os FIDCs são considerados instrumentos securitizados fora do balanço. Os bancos mais penalizados pela nova regra são os com maior proporção de securitização em relação à carteira total de crédito.

Apesar de por enquanto não adotar os critérios da CVM para efeitos regulatórios, o BC ao mesmo tempo está preparando uma regra própria para contabilizar cessão de carteiras nos balancetes dos bancos. As mudanças, entretanto, só entrarão em vigor a partir do ano que vem. O texto da circular do BC estava em audiência pública até a semana passada e provocou reclamações de bancos médios. A partir do próximo ano os bancos terão que avaliar se o risco está sendo total ou parcialmente transferido, seja por meio de cessão de carteira a outra instituição ou venda a FIDCs. Assim como a CVM, o BC determina no texto que esteve em audiência pública o reconhecimento de longo prazo da receita e imediato do pagamento das comissões. Os dois critérios combinados reduzem lucros.

O BC afirma que não estabelecerá critérios numéricos (percentual da carteira cedida), e que a avaliação da transferência de risco levará em conta fatores como a garantia formal ou informal dada pelos bancos do desempenho dos FIDCs aos investidores, a parcela recebida do fluxo de caixa, etc. Uma avaliação parecida será feita em relação a carteiras cedidas para instituições financeiras de maior porte. O julgamento da administração será avaliado pelo BC e pelos auditores independentes, e sujeito a mudanças pela fiscalização.

No ano passado o BC já iniciou a regulamentação da transferência de carteiras, considerando apenas as operações de cessão para grandes bancos, muito comuns na época, com ou sem coobrigação. Logo depois que o BC endureceu as regras para a transferência, cresceu o volume de emissões de FIDCs por bancos.

Do total de R$ 12,7 bilhões em emissões de FIDCs ao longo de 2006, o setor bancário respondeu por R$ 8,25 bilhões do total. O maior emissor, de R$ 4,6 bilhões, foi a financeira do Banco Votorantim. O Cruzeiro do Sul fez três emissões com valor total de R$ 505 milhões. Sua última emissão no mercado foi de R$ 150 milhões em março deste ano. O ritmo das emissões de FIDCs de bancos diminuiu em 2007.

O banco Bonsucesso, que também está em processo de abertura de capital, também já aceitou fazer uma consolidação nos moldes da pedida pela CVM, e publicará uma redução de 5% no seu lucro, segundo fontes. A instituição fez apenas uma venda de FIDC de R$ 80 milhões. O prospecto preliminar mostra resultado líquido de R$ 12 milhões no primeiro trimestre de 2007, ante R$ 10,6 milhões no mesmo período do ano passado. O ano de 2006 registrou lucro de R$ 55 milhões.

A abertura de capital deve facilitar a expansão das atividades dos bancos médios, especialmente se os recursos forem usados, como no caso do Cruzeiro do Sul, para aumento de capital. Depois da venda do BMC por R$ 800 milhões ao Bradesco, no início do ano, as operações de abertura de capital têm resultado em valores entre três e quatro vezes o patrimônio líquido.