Título: Pelo bem do serviço público
Autor: Alves, Renato
Fonte: Correio Braziliense, 16/12/2010, Cidades, p. 41

UNB Ex-diretor da Editora Universidade de Brasília, denunciado por fraudes pelos ministérios públicos do DF e Federal, é demitido pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, por usar o cargo em proveito próprio. Os desvios de dinheiro somariam R$ 30 milhões

Dois anos e meio após ser afastado da direção da Editora Universidade de Brasília (UnB) por uma série de denúncias de fraudes, Alexandre Lima perdeu o emprego na instituição de ensino superior. Funcionário de carreira desde 1979, ele foi demitido ontem pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, ¿por valer-se do cargo em proveito pessoal¿. A punição diz respeito às irregularidades financeiras praticadas na administração do ex-reitor Timothy Mulholland (2005-2008).

Alexandre Lima e outros 37 dirigentes e servidores acabaram afastados da Editora UnB em 2008, após irregularidades terem sido confirmadas em investigação interna da UnB. As fraudes haviam sido denunciadas pelo Ministério Público do DF e o Ministério Público Federal (MPF) e tornadas públicas por meio de reportagens do Correio Braziliense. Após a perda do cargo na Editora, Alexandre retornou à função de administrador do quadro técnico da UnB, com salário de R$ 4.569,74. No entanto, pouco trabalhou, graças a constantes licenças médias. A mais recente venceu em novembro. A demissão de Lima baseia-se no processo que resultou na decisão realizada pela Procuradoria Jurídica e pela Auditoria da UnB com base na Lei nº 8.112, de dezembro de 1990, que regula a contratação de funcionários da União, autarquias e fundações federais. A sindicância da universidade levou em conta investigação realizada pelo MPF. Ele pode recorrer da decisão, mas sem suspender a demissão e continuar recebendo o salário, de acordo com a Secretaria de Comunicação da UnB.

O ex-diretor executivo da Editora UnB teve movimentação financeira incompatível com as declarações de renda apresentadas em 2004, 2005 e 2006. Ele aumentou o rendimento em sete vezes de um ano para outro. As informações constam de ação de improbidade administrativa tocada pelo MPF desde o fim de 2007. Procuradores da República denunciaram Lima à Justiça pelo mesmo tipo de crime, em janeiro de 2008, por causa da contratação de funcionários fantasmas. No processo, procuradores federais deixam claro a desconfiança de que Alexandre Lima enriqueceu com verbas da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), por meio de convênio assinado com a FUB em 2004. Procurado pelo Correio, ele não retornou as ligações até o fechamento desta edição.

Mont Blanc A UnB transferiu o contrato com a Funasa para a Fundação Universitária de Brasília (Fubra). Desde 2007, o projeto era executado pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Área de Saúde (Funsaúde), sob coordenação de Alexandre Lima. Segundo investigação do MPDFT, taxa de administração do contrato assinado entre Fubra e Funsaúde aumentou de 5% para 7,5%. A diferença de 2,5% era depositada em conta administrada por Lima, que autorizava e pagava as despesas.

A Editora UnB recebeu R$ 49 milhões do Ministério da Educação (MEC) em 2007. Os maiores gastos em 2007 foram repasses a fundações de apoio. Somente a Funsaúde ganhou R$ 13 milhões (26,5%). Quase todo esse valor é justificado como gastos em ¿atenção à saúde dos povos indígenas¿. Mas auditoria do MPDF revelou que parte do dinheiro destinado à melhoria de vida dos índios da Região Norte do país financiou viagens ¿ inclusive de parentes de Lima ¿ e artigos de luxo, como canetas Mont Blanc.

A Editora UnB também recebeu recursos de uma série de convênios. Somente em 2007, a Editora atuou em 57 programas, que lhe renderam R$ 79 milhões. Em princípio, ela só editaria livros e outras publicações acadêmicas da universidade. Como a unidade não recebia subsídio do orçamento da UnB, buscou outras fontes de financiamento dos projetos. Com isso, passou a executar contratos para as mais diversas finalidades, da recuperação de livros à gestão da saúde de índios em Roraima.

Para realizar tantos projetos, a Editora recorreu à mão de obra terceirizada, por meio de contratos temporários. Na execução dos programas, os funcionários viajavam para outros estados e até para fora do país. Com isso, além do dinheiro pelo trabalho, ganhavam diárias, passagens e hospedagens. Só em 2007, a Editora consumiu R$ 2,1 milhões com viagens de funcionários do quadro e terceirizados, valor 110% superior ao registrado no ano anterior, quando gastou R$ 996 mil com essa rubrica.

Mas a Editora UnB usou dinheiro que deveria ser destinado à melhoria do atendimento à saúde dos povos indígenas para financiar a viagem por Japão, Taiwan e Coreia do Sul, de pelo menos seis pessoas sem vínculos com a universidade. Entre eles, o casal dono da Faculdade Michelângelo, instituição de ensino particular do DF. O grupo fazia parte da comitiva do então vice-reitor da UnB, Edgar Mamiya, durante visita aos três países, em outubro do ano passado. Cada um dos 11 acompanhantes ganhou R$ 10,5 mil por 15 diárias. Um dos donos da Michelângelo recebeu o dinheiro mesmo sem ter viajado, admitiu Mamiya.

Só fachada A investigação apontou irregularidades como simulação de licitações, contratação de empresas de fachada, consultorias fantasmas, pagamentos em duplicidade, contratação de parentes e amigos dos acusados e gastos sem comprovação. Além da perda do cargo no serviço público, os réus podem ser punidos com suspensão dos direitos políticos, impedimento temporário de contratar com o Estado e pagamento de multa.

ALERTA CONTRA CREDENCIAMENTO » O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB protocolou um requerimento no Ministério Público Federal para pedir a impugnação do credenciamento da Finatec. O processo está em análise pelo Grupo de Apoio Técnico, comissão formada pelos ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia. O texto, endereçado à procuradora Raquel Branquinho, diz que o credenciamento foi aprovado pelo Conselho Universitário (Consuni) sem análise da prestação de contas da fundação, rejeitada pelo Ministério Público do DF. Como o MPDFT não tem abrangência sobre o governo federal, os estudantes pedem que os procuradores federais levem aos ministérios as investigações feitas no DF. O requerimento contou também com a assinatura de professores e servidores da UnB. O processo de credenciamento deve ser discutido novamente pelo Grupo de Apoio Técnico em 10 de janeiro.

ENTENDA O CASO Rota do desvio

» O Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) começou, em agosto de 2007, a investigar os gastos da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Finatec), ligada à UnB. Constatou gastos com combustíveis, restaurantes e em bares até em fins de semana.Cerca de R$ 470 mil foram usados na decoração do imóvel funcional ocupado pelo reitor da UnB, Timothy Mulholland.

» Em janeiro de 2008, a Promotoria de Fundações e de Entidades de Interesse Social denunciou à Justiça os desvios dos objetivos da Finatec e pediu o afastamento dos cinco diretores.

» A desembargadora Nídia Corrêa Lima, em 15 de fevereiro de 2008, afastou os diretores da Finatec.

» As denúncias atingiram a Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Área de Saúde (Funsaúde). Auditoria apurou gastos acima R$ 65 mil com festas, compras de canetas Mont Blanc televisores de LCD e passagens aéreas para a mulher de Timothy Mulholland, Lécia Mulholland, e para familiares do então diretor executivo da Editora UnB, Alexandre Lima.

» Timothy e o decano de Administração, Érico Paulo Weidle, foram denunciados à Justiça Federal por improbidade administrativa. O reitor renunciou em 13 de abril de 2008, um dia depois de o vice-reitor, Edgar Mamiya, tomar a mesma decisão.

» Em novembro último, a Justiça Federal inocentou Mulholland da acusação de improbidade administrativa, mas o Ministério Público recorreu.

» Ainda em novembro, o TJDFT condenou quatro pessoas a penas que chegam a 10 anos e 10 meses de prisão por apropriação indébita, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro em um esquema que desviou quase R$ 30 milhões da UnB por meio da Finatec. A fraude era comandada pelo consultor gaúcho Luis Antônio Lima, e sua mulher, Flávia Maria do Carmo Camarero. Foram condenados também o sociólogo Eduardo José Grin, sócio do casal, e o professor de engenharia Antônio Manoel Dias Henriques, ex-diretor-presidente da Finatec.