Título: Promessas de Alves criam tensão na Câmara
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2013, Política, p. A8

A marca que o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), tenta imprimir ao seu mandato começa a provocar os primeiros sinais de desgaste entre ele e os principais articuladores do governo e do PT na Casa.

Alves adotou como primeira meta de sua gestão mudar uma prática que se consolidou na Câmara nos últimos anos: a apreciação de projetos no plenário apenas se houver consenso no colégio de líderes de que eles devem integrar a pauta de votações. Foi uma promessa de campanha feita aos partidos. Incomodados com o domínio do Executivo na agenda da Casa, praticamente todos colocaram como condição de apoio a Alves a garantia de que ele iria pautar projetos das bancadas, ainda que elas discordem sobre a viabilidade de as propostas serem remetidas ao plenário e o mérito das mesmas.

"O consenso é ideal, mas nem sempre é possível. O desgaste da Casa é a omissão. Estamos em um momento de cobrança, afinação e resgate. Sempre se procurou o consenso. Agora, quando ele não for possível, [o projeto] vai a voto. Essa Casa foi feita para o debate, mas tem um limite para chegar e decidir. Esse é o meu sentimento", disse Alves.

Ocorre que a tentativa em curso de mudar esse paradigma começa a incomodar o governo e o PT, que teme a aprovação de projetos contrários aos seus interesses independentemente de serem da base ou da oposição. Seus principais articuladores começam a tentar demover o presidente da Câmara da ideia. Ou a criticar a ideia publicamente.

"É evidente que isso pode resultar em pautas que não convenham ou que não atendam aos interesses do governo. Naturalmente o governo tem sua pauta. Mas não queremos trabalhar com cotas de projetos para partidos. É uma falsa ideia. Não podemos subordinar os interesses do país a uma cota", disse o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Para ele, Alves até pode coletar as sugestões das bancadas, mas é preciso que esse rol passe por um crivo. "Quando todos apresentarem seus projetos, devemos fazer um debate sobre o conteúdo. Quando tiver acordo, vota. Quando não tiver, remete ao colégio de líderes e decide se vota ou não. Tem que haver conteúdo e método. Se não, vira o que chamei de cota. É preciso analisar o conjunto e fazer uma avaliação de mérito dessas sugestões", afirmou o petista.

Por trás de seu discurso, o claro receio do governo com o que pode ir a plenário. O principal aliado, PMDB, defende a aprovação de uma proposta de emenda constitucional (PEC) que implementa o orçamento impositivo. O PSD defende o fim da cobrança de 10% da multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), algo a que o governo já se opôs em 2012. O PTB quer o fim do fator previdenciário e o PP apresentou como prioridade o projeto que estabelece um contingenciamento linear das emendas parlamentares de acordo com o que o governo faz com todos os ministérios. Já o PR e o oposicionista DEM defendem a PEC nº 300, que cria um piso nacional para os policiais militares, civis e bombeiros. Custo estimado de R$ 40 bilhões anuais.

A variedade de sugestões é considerada pelo PT como um grande passo rumo ao descontrole total da Casa por parte de Alves. "A Casa não pode ficar com esse descontrole, com uma bancada querendo isso, outra querendo aquilo. Essa Casa é política e tem que construir consensos. O papel do colégio de líderes tem que ser forte. Não pode deixar de compatibilizar os interesses. É uma Casa plural. Votar por votar não significa nada. A pauta tem que estar à altura do país. Aqui não é casa de lista", disse o líder do PT, José Guimarães (PT-CE).

De acordo com ele, o partido defende a apreciação do que considera "os grandes temas nacionais", como as reformas política e tributária. "Se cada partido for pegar sua bandeira, nós vamos partir para cima com as nossas. PEC do trabalho escravo, a redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais. Mas não é o caso. Precisa votar o que o país precisa. Esse modelo que ele [Alves] quer impor é o caminho mais curto para a paralisia total da Câmara", concluiu o líder petista.

No geral, Henrique Alves chega hoje ao seu primeiro mês de mandato ainda "sob avaliação" das principais lideranças partidárias. Reservadamente, porém, são reveladas algumas insatisfações. A mais ouvida é a da imprevisibilidade. Alves disse em entrevista exclusiva ao Valor em dezembro que caberia ao Congresso a palavra final sobre a cassação de mandatos. Após sua vitória, recuou e disse que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem a última palavra nesse ponto.

Outro aspecto foi o imbróglio envolvendo a criação de novas comissões permanentes. Eram 20, ele anunciou que seriam 22, sofreu pressões dos descontentes e voltou para 20 e acabou ficando em 21. "Ele foi muito candidato em 2012. Prometeu mais do que podia e isso estourou nessa questão", declarou um líder.

Por fim, a pressão para colocar na pauta o projeto que põe fim aos 14º e 15º salários. Além da própria votação em si, para outro líder "uma jogada de mídia", aí o problema foi que Alves, segundo essa fonte, havia sinalizado que haveria uma compensação para o fim dos salários extras com a aprovação da PEC que equipara o salário dos parlamentares ao dos ministros do STF. Mas recuou. Alves sempre nega ter feito a correlação entre um e outro projeto. Esse mesmo líder manda uma sugestão a Alves: "Se você não for previsível, não será confiável e aí ou o colégio de líderes toma conta de você ou será desmanchado por você."