Título: Impasse da lei seca no STJ
Autor: Calcagno, Luiz
Fonte: Correio Braziliense, 16/12/2010, Cidades, p. 47

TRÂNSITO Recursos que consideram somente o bafômetro e o teste sanguíneo válidos como prova de embriaguez são suspensos

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu todos os recursos que questionam o uso de exames clínicos para constatar estado de embriaguez em motoristas autuados pela lei seca. A decisão vale para os tribunais de segunda instância do país. O ministro do STJ Napoleão Nunes Maia Filho tomou a iniciativa após resoluções opostas da Quinta e da Sexta Turmas do órgão quanto à validade das observações clínicas como provas contra os condutores. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) entrou com o recurso especial no Superior com base na Constituição Federal. A intenção do MPDFT foi mudar a postura do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que considera que a prova só pode ser produzida por meio de bafômetro ou por exame de sangue.

Para criar uma jurisprudência, o ministro submeteu o julgamento do recurso especial à Terceira Seção do STJ, composta por 10 ministros, sendo cinco da Quinta Turma e cinco da Sexta Turma. O MPDFT argumentou, de acordo com a redação da decisão, que ¿é perfeitamente possível a comprovação do estado de embriaguez por outro meio idôneo (que não o teste de bafômetro e o exame sanguíneo). No caso, o exame clínico por perito médico, que, com métodos cientificamente comprovados e com o uso das regras de experiência, pode atestar, com segurança, se o examinado encontra-se com concentração de álcool no sangue superior ao indicado na lei penal¿.

No entendimento do promotor de Justiça Evandro Manoel da Silveira Gomes, da Assessoria de Recursos Especiais do MPDFT, quando a lei seca foi editada, a determinação de uma concentração mínima de teor alcoólico no sangue na redação levou o TJDFT a entender que ¿a exigência era insuperável a não ser por bafômetro ou exame sanguíneo¿. ¿Como as pessoas podem se negar, entendemos que a prova pode ser feita por outros meios. O condutor pode se negar a fazer o bafômetro, mas a pessoa pode ser encaminhada ao IML e não pode se negar a esse exame. Recorremos contra essa decisão do TJDFT em numerosos processos¿, disse o promotor.

Novela jurídica A decisão do ministro do STJ pode significar um dos últimos capítulos do julgamento dos recursos que enfraqueceram o Lei Federal nº 11.705/08, a lei seca (veja O que diz a lei). Os impasses tiveram início após uma decisão da Sexta Turma do STJ, em outubro. Conforme publicado pelo Correio Braziliense no dia 12 daquele mês, os ministros decidiram por unanimidade que o condutor flagrado alcoolizado não poderia ser processado criminalmente sem o teste do bafômetro ou o exame de sangue. A decisão extinguiu a ação penal contra um motorista de São Paulo. Ele teria sido flagrado pela polícia enquanto dirigia seu veículo na contramão e os policiais militares teriam constatado um estado de embriaguez visível.

No pedido de habeas corpus, a defesa do motorista alegou que, como ele foi submetido a exame clínico, não havia provas do crime. Também conforme o que foi publicado pelo Correio na mesma matéria, a decisão da Quinta Turma foi contrária. No caso, o relator, Napoleão Nunes Maia Filho, negou o pedido de habeas corpus. Para o ministro, o auto de constatação realizado pela polícia no flagrante podia ser considerado como prova. Na capital federal, dados do Departamento de Trânsito do Distrito Federal (Detran-DF) mostram que, até 20 de novembro desse ano, mais de 8,7 mil condutores foram flagrados dirigindo sob efeito de álcool (veja tabela ao lado). O número supera o total de 2009.

Para uniformizar O recurso especial repetitivo é um dispositivo jurídico que suspende o julgamento de recursos de natureza semelhante em tribunais de segunda instância. A pausa dura até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determine uma solução comum, chamada de jurisprudência, para os casos. Após o pronunciamento do STJ, os tribunais ainda têm a liberdade de não seguir a determinação.

NÚMEROS DA LEI SECA

Dirigir sob influência do álcool ou suspeita de entorpecente:

Ano - Autuações

2005 - 269 2006 - 353 2007 - 1.008 2008 (a lei seca passa a valer a partir de 20/6) - 2.668 2009 - 6.838 Até 20/11/2010 - 8.779

Fonte: Departamento de Trânsito do DF (Detran-DF)

O QUE DIZ A LEI

O artigo 165 da Lei nº 11.705/08, conhecida como lei seca, define como infração gravíssima o ato de dirigir alcoolizado. O motorista é penalizado com multa de R$ 957, recolhimento da carteira nacional de habilitação (CNH), sete pontos lançados no prontuário e, se condenado pelo Detran, fica proibido de dirigir por um ano. Qualquer concentração de álcool no organismo deixa o condutor sujeito à punição administrativa. O agente de trânsito também pode caracterizar a infração ao notar sinais de embriaguez, excitação e torpor, por exemplo. De acordo com o artigo 306, caso a concentração de álcool no sangue seja igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro, ou 0,3 miligrama por litro de ar expelido pelos pulmões, além das punições previstas no artigo 165, o infrator é levado para a delegacia, tem que pagar fiança que varia de R$ 600 a R$ 2 mil e responde a processo criminal.