Título: Câmbio derruba inflação apesar da demanda aquecida
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2007, Brasil, p. A4

Mesmo com uma demanda interna mais forte e com perspectivas de aceleração desse movimento, as projeções para a inflação ao consumidor para o fim deste ano não param de cair. E o responsável por isso é justamente o câmbio, que também não pára de derreter. No começo deste ano, quando o dólar estava em R$ 2,13 a expectativa do mercado era de que o IPCA ficasse em 4% no fim de 2007. No entanto, com o dólar na casa dos R$ 2, essa estimativa já cedeu para 3,54%.

Como as expectativas para a taxa de câmbio ao fim do ano também cederam de R$ 2,23 para R$ 2,05, os analistas esperam que o impacto sobre os bens comercializáveis, como alimentos, eletrodomésticos e produtos de higiene seja forte. Nos 12 meses encerrados em março deste ano, por exemplo o preço dos bens duráveis (geladeiras, fogões, eletroeletrônicos) já acumula uma variação negativa de 2,5%. É um percentual maior do que o verificado no fim de 2006: menos 0,84%.

"Tudo aquilo que sofre concorrência de importados tende a ter um aumento contido ou até mesmo queda em seus preços", explica a economista da Tendências Consultoria Integrada, Marcela Prada. Ela acabou de baixar sua projeção para o Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) de 3,9% para 3,6%. Marcela conta que antes apostava no esgotamento da baixa dos produtos comercializáveis, que representam 35% do IPCA. Mas a continuidade da queda do dólar jogou por terra essa tese. E o cenário de câmbio da consultoria para o fim de 2007 também foi revisado recentemente de R$ 2,13 para R$ 2,02.

A Rosenberg & Associados fez alguns cálculos para mostrar a importância da valorização cambial na queda dos preços. O exercício realizado pelo economista Otávio Aidar trabalha com as seguintes hipóteses: um crescimento de 19,5% na base monetária do país e de 6,4% na massa salarial. Com base nessas hipóteses, ele traçou dois cenários para a inflação em 2007. No que conta com um câmbio de R$ 2,05 no fim do ano, a estimativa para o IPCA fica em 2,6%. Já no que leva em conta o câmbio de R$ 2,138 (fechamento de março), a inflação seria bem maior, de 3,7%.

Ainda que o impacto do câmbio não seja mais tão vigoroso quanto foi no passado, ainda é significativo. O economista Carlos Thadeu de Freitas Gomes Filho, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estima que neste ano o coeficiente de repasse do dólar para a inflação fique em 5%. É quase o mesmo valor do ano passado, que foi de 6%. Em 2005, no entanto, o efeito era mais forte e o coeficiente ficou em 16%.

A projeção de Gomes Filho, de um repasse de 5%, significa que caso o câmbio varie 10%, por exemplo, 5% dessa variação é repassada para os preços ao consumidor. Nesse cenário, se o dólar chegar a R$ 2 no fim do ano, ele terá sofrido uma queda nominal de 7,4% na comparação com os R$ 2,16 do ano passado. Com um repasse de 5%, a inflação, em vez de ficar em R$ 3,9% (projeção inicial), cairá para 3,5%.

O economista da UFRJ explica que a economia brasileira está mais aberta aos produtos estrangeiros e isso permite que a queda do dólar seja repassada de forma mais rápida e intensa aos preços. Além disso, outros dois fatores dificultam os aumentos de preços. A abertura comercial faz com que as empresas brasileiras tenham de ser mais eficientes e competitivas. Por outro lado, um nível menor de inflação como o que o país tem hoje, perto de 4%, faz com que qualquer reajuste de preços seja logo sentido e rejeitado pelos consumidores.

Porém, embora tenha um papel fundamental na inflação, o câmbio não é o único sinal alentador para o consumidor. A forte expansão da produção de bens de capital (14,4% nos últimos 12 meses ) é um sinal de que as empresas estão investindo em capacidade produtiva. E, mesmo com vendas do comércio e emprego em alta, Aidar, da Rosenberg, diz que essa ampliação da oferta desanuvia o cenário. "Os investimentos estão acompanhando o crescimento da demanda interna", completa Marcela Prada.

Assim como no ano passado, os preços que deverão incomodar um pouco mais e seguir acima dos demais são os dos serviços. Como eles respondem diretamente ao aumento do poder aquisitivo e sofrem menos o impacto da valorização cambial, devem subir entre 4,5% e 5% até o fim do ano, segundo projeções da Tendências. Ainda assim, são variações um pouco mais brandas do que as de 2006, quando fecharam em alta de 5,5%. Nos 12 meses terminados em março, já mostraram algum recuo e acumularam variação de 5,1%. (RS)