Título: Necessidade de explicar a política cambial ganhou maior urgência
Autor: Bittencourt, Angela
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2013, Finanças, p. C2

A evolução recente da inflação provoca evidente desconforto no Banco Central. Mas isso não garante uma pronta retomada do ciclo de aperto monetário, com a elevação da taxa Selic pelo Copom. Se a confiança da equipe econômica na reversão inflacionária a partir do segundo semestre permanecer inabalada, a alta da taxa pode ser postergada, avalia Monica Baumgarten de Bolle, sócia-diretora da Galanto Consultoria e diretora do Instituto de Estudos e Pesquisas Econômicas da Casa das Garças.

Monica considera pelo menos dois fatores para não dar como certa uma subida tempestiva da Selic: a campanha eleitoral já em andamento e os sinais de melhora da atividade, embora ainda pairem dúvidas sobre a indústria.

A economista e professora de macroeconomia da PUC-RJ tem uma opinião bem particular a respeito da convergência da inflação para a meta, supostamente uma das razões que levariam a uma alta do juro. Para ela, "cumprir a meta" significa para o governo manter a inflação dentro do intervalo do regime, cujo teto é 6,5%. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Apesar do desconforto do BC com a evolução da inflação, eles ainda devem confiar em uma reversão"

Valor: O governo tem feito questão de afirmar que o juro é o instrumento para controlar a inflação, não o câmbio. A reafirmação desse discurso causa surpresa?

Monica Baumgarten de Bolle: Considerando que as declarações desencontradas de diversos membros da equipe econômica sobre a política cambial causaram uma grande confusão nos mercados, nem tanto. Depois que o ministro Guido Mantega [Fazenda] disse que "o câmbio é flutuante, porém flutua dentro de uma banda" e que o ministro Fernando Pimentel [Desenvolvimento] qualificou o regime de "câmbio vigilante", a necessidade de explicar em que consiste a política cambial ganhou maior urgência. Além disso, a evolução desfavorável da inflação e das expectativas do mercado forçaram a mão da equipe econômica. Por isso tanta insistência em afirmar que o instrumento principal para combater a alta dos preços não é o câmbio, mas sim os juros. A dúvida, entretanto, é se isso sinaliza alguma ação imediata do BC.

Valor:

A sua expectativa é de retomada do aperto monetário quando? Acredita que o governo conseguirá fazer a convergência da inflação para o centro da meta?

Monica: Apesar do evidente desconforto demonstrado pelo BC acerca da evolução recente da inflação, acredito que eles ainda confiem no cenário de reversão. Ou seja, se a confiança da equipe econômica na reversão inflacionária a partir do segundo semestre permanecer inabalada, acho que eles esperarão ao máximo para iniciar um ciclo de aperto de juros. Há pelo menos dois fatores que me levam a não dar como certa uma subida tempestiva da Selic: 1) a campanha eleitoral já começou, e é importante para a presidente hastear todas as bandeiras de suas conquistas e os juros inusitadamente baixos, decerto, é uma delas; 2) a atividade parece estar melhorando, mas os cenários de crescimento continuam turvos pelas dúvidas em torno da capacidade de reação da indústria, o foco principal das medidas de estímulo do governo. Dito isso, se o BC remover o "suficientemente prolongado" de seus comunicados, para o mercado o ciclo virtual de aumentos da Selic já terá sido iniciado. Para mim, está mais do que evidente que, para o governo, "cumprir a meta" significa manter a inflação dentro do intervalo do regime, cujo teto é 6,5%.

Valor: O mercado parece confuso com o excesso de sinais emitidos por BC e Fazenda. Quanto o governo é prejudicado com isso?

Monica: O mercado está confuso não devido ao excesso de sinais, mas à dificuldade de extrair sinais do excesso de ruído emitido pelo governo. A cacofonia gera volatilidade nas curvas de juros e incerteza em relação à trajetória do câmbio. O prejuízo para o governo é a dificuldade de orquestrar a retomada do investimento neste ambiente. A solução recorrentemente utilizada para contornar a falta de confiança do empresário, gerada pelas próprias medidas desconjuntadas do governo, é usar o crédito dos bancos públicos para conceder benesses ao setor privado. Benesses cujo custo fiscal terá de ser reconhecido em algum momento. Ou seja, ao tentar remediar os problemas causados por suas próprias ações, o governo desconstrói a estrutura sob a qual a estabilidade macroeconômica foi mantida: a solidez e a legitimidade das contas públicas, hoje comprometidas pelo uso desenfreado das instituições financeiras do Estado, além de outras iniciativas.

Valor: Os estrangeiros estão tendo uma percepção diferente dos indicadores brasileiros? Estão mais otimistas?

Monica: Sim e não. Há um maior otimismo com os indicadores, até porque não é fácil repetir o resultado desastroso do ano passado. Contudo, há também um maior senso de cautela. O investidor estrangeiro parece crescentemente desconfortável com o intervencionismo exacerbado do governo, sobretudo com a aceleração e a intensificação desse intervencionismo a partir do segundo semestre do ano passado. Embora exista o reconhecimento de que Dilma não é Cristina [Kirchner, presidente da Argentina] há um grande desconforto em ver o Brasil seguindo um caminho que lembra, ainda que de longe, aquele que a Argentina escolheu. O país perdeu credibilidade na condução da política econômica nos últimos dois anos, algo que é confirmado pela piora do trade-off entre crescimento e inflação. Não fosse o país o anfitrião de grandes eventos internacionais nos próximos anos, a pílula brasileira estaria mais amarga. Por ora, a Copa do Mundo e a Olimpíada ainda adoçam o paladar. Mas a pílula dourada de outrora já era.