Título: Jovens, donas-de-casa, aposentados e argentinos dominam público
Autor: Junqueira, Caio e Ulhôa, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 10/05/2007, Especial, p. A16

A diversidade predominou no grupo estimado pela Polícia Militar em 15 mil pessoas que se aglomeraram em frente ao mosteiro de São Bento, região central de São Paulo, em dia de chuva fina contínua e temperatura média de 13 graus, a menor do ano. Entre os que esperaram horas para ouvir uma mensagem de dois minutos do papa Bento XVI, estavam estrangeiros, militantes de movimentos católicos, fiéis sem engajamento e até evangélicos. Em um dia útil, sem a decretação do feriado municipal pedido pelos organizadores da visita, donas-de-casa, aposentados e pessoas com menos de 20 anos eram a maioria.

Boa parte de quem quis ver Bento XVI não compartilha suas idéias. "Sou contra o que o papa diz sobre o aborto e acho um absurdo a volta do latim nas missas", disse a estudante Paula Almeida, de Guarulhos (SP), para a contrariedade da mãe, a dona de casa Vera Lúcia, "católica não praticante", segundo afirmou. "Não sei de nada que Bento XVI falou ou escreveu. Só estou aqui para realizar uma vontade de minha filha", disse a dona de casa Nair Pereira, moradora da Vila Ema, bairro de classe média na Zona Leste paulistana.

Às 17 h, uma multidão com faixas azul e branca se posicionou entre a sacada do mosteiro e a fileira das câmaras de televisão: eram centenas de estudantes argentinos, que vieram em caravana. "Somente da paróquia de San Jose, em Buenos Aires, viemos 90 colegas", afirmou uma moça de 17 anos que não quis se identificar. Ergueram os estandartes e começaram a gritar "Argentina", dominando o cenário no Largo de São Bento, sobrepujando um barulhento grupo que carregava bandeiras de Pernambuco e faixas onde se lia "Shalom".

Atrás do grupo argentino estava Dionisio Santos. "Sou palhaço autônomo, meu nome artístico é Sapeca", identificou-se. Santos admitiu que a curiosidade o movia. "Simpatizo com as vozes conservadoras e carismáticas. Mas nem sou católico. Freqüento a Igreja Evangélica Quadrangular há quatro anos", afirmou .

Ao lado de Santos, a funcionária pública Marlene Donizetti de Souza, moradora do bairro de Vila Gustavo, região de classe média na Zona Norte da capital, empunhava uma bandeira brasileira e ostentava no peito medalhas com as imagens de João Paulo II e São Bento. Militante do movimento da Renovação Carismática, Marlene estava ali para ouvir o seu líder máximo.

"Quem deve falar por nós católicos é o Santo Padre. Ele é criticado pela imprensa, mas é o representante divino para cumprir a lei eterna", afirmou, quando indagada se concordava com a opinião de Bento XVI de que os políticos mexicanos que flexibilizaram a lei do aborto devem ser excomungados.

Ao surgir na praça, depois de quinze minutos de badaladas nos sinos e frenesi da multidão, Bento XVI subiu a sacada e disse apenas o seguinte: "Uma alegria calorosa comove o Papa. Estes dias estarão cheios de emoções e alegrias. A canonização de Frei Galvão e a quinta Conferência Episcopal Latino Americana serão marcos históricos para a Igreja. Muy obrigado e buenas noites", afirmou em um português fluente até a frase final. Virou-se e desapareceu após as luzes da sacada se apagarem, enquanto a multidão, inconformada, gritava "volta, volta".