Título: Bonn debate futuro das florestas
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2007, Internacional, p. A9

Está aberta a temporada de contabilizar átomos de carbono e encontrar formas urgentes de combater o aquecimento global. O Brasil defende que países em desenvolvimento e com florestas tropicais devem receber por não desmatar e, assim, darem sua contribuição voluntária na batalha contra as mudanças climáticas.

O palco dos debates é Bonn, na Alemanha, onde desde segunda-feira mil diplomatas de 166 países negociam questões-chaves para o futuro do Protocolo de Kyoto e de outro acordo internacional importante, a convenção sobre mudanças climáticas. Nos encontros que se estendem até o dia 18, o governo brasileiro pretende viabilizar sua proposta de conseguir recursos para evitar o desmatamento, ampliar a fiscalização e implantar formas sustentáveis de desenvolver a Amazônia.

O assunto está na ordem do dia. Pelo último relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, ligado à ONU, 65% das opções de redução dos gases-estufa relacionados a florestas estão nos trópicos. E a metade deste esforço pode ser alcançada com a diminuição das emissões produzidas nos desmatamentos. É a queima e derrubada de florestas que faz com que o Brasil ocupe a 4ª posição no ranking mundial das emissões.

A proposta brasileira tem por base uma equação assim: os cientistas acreditam que um hectare de Amazônia retêm de 120 a 200 toneladas de carbono, que são liberadas para a atmosfera quando a floresta é cortada. "Imagine-se que um hectare tenha 90 toneladas e leve-se em conta que o mercado de carbono paga hoje entre US$ 5 a US$ 10 por tonelada - US$ 3 seria, portanto, um preço módico", explica João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente, o MMA. Nos últimos dois anos, o Brasil conseguiu conter o desmatamento, ou seja, deixou de lançar 400 milhões de toneladas de CO2. "Se esta conta estivesse valendo, o Brasil receberia US$ 1,2 bilhão para combater o desmatamento e dar rumo sustentável ao desenvolvimento da Amazônia", diz ele.

A idéia, apresentada no final de 2006 em Nairóbi pela ministra Marina Silva, já teria despertado interesse dos EUA, da Alemanha e do Reino Unido. Uma taxa de referência, calculada pela média do desmatamento de determinada série de anos, serviria de parâmetro. Quando o desmatamento for menor que a taxa, os países em desenvolvimento com florestas teriam direito a recursos; se superarem o índice, não receberiam nada até compensar o aumento. "Acreditamos que este é um sistema justo e um estímulo para evitar o desmatamento", diz Luiz Alberto Figueiredo Machado, diretor do departamento ambiental do Itamaraty.

O dinheiro viria dos países industrializados. Pela convenção do clima, eles devem contribuir com recursos e tecnologia para que os outros, em desenvolvimento, possam crescer sem poluir. Segundo alguns críticos, o ponto frágil da proposta é que ela prevê que os países ricos doem os recursos, de forma voluntária.

Ocorre que outra frente de países com florestas, liderados por Papua e Nova Guiné, lançaram idéia semelhante, mas vinculada à compra de créditos de carbono pelos países ricos que aceitarem investir na preservação das matas. Na visão brasileira, este plano é conceitualmente complicado: como obter créditos por algo que não se fez? (ou seja, que não se desmatou). "Se os países desenvolvidos só toparem preservar florestas se a atitude gerar créditos de carbono, as máscaras vão cair", diz uma fonte do governo brasileiro. "Eles pressionam politicamente pelo fim do desmatamento. Agora têm uma oportunidade efetiva para isso."

A proposta de incentivos às florestas preservadas foi pendurada na convenção do clima. O acordo, de 1992, prevê que os países em desenvolvimento façam sua parte por meio de políticas públicas e medidas de controle das emissões, de modo voluntário. Os países industrializados, por seu turno, doariam recursos e transferência de tecnologia aos em desenvolvimento - o que não ocorreu. À época da Eco-92, as nações mais ricas do planeta, reunidas no G-7, se propuseram a transferir US$ 1,5 bilhão para ações no Brasil que controlassem o desmatamento, mas a transferência foi de apenas US$ 200 milhões. Por que, então, insistir nesta tecla? "Porque hoje há uma consciência internacional mais aguçada sobre a realidade das mudanças e seus efeitos catastróficos em todo o mundo", diz Figueiredo.

Outro ponto que deve ser discutido em Bonn é o destino de um fundo de adaptação. É daí que começará a sair o dinheiro para que países pobres e ameaçados pelo aumento do nível do mar, possam, por exemplo, construir diques como os da Holanda. Este fundo começa a ser formado a partir dos projetos de MDL e hoje ainda tem poucos recursos (cerca de US$ 7,6 milhões), mas a expectativa é que cresça. Quem deve gerenciar o fundo é outra polêmica. Os países desenvolvidos apontam para o GEF, o fundo ambiental que tem como um dos agentes o Banco Mundial. "Os outros querem outro mecanismo, que eles gerenciem, e onde tenham voto", diz José Domingos Gonzalez Miguez, secretário-executivo da Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

Quanto ao destino do Protocolo de Kyoto, o governo brasileiro defende sua continuidade. Julga que não há tempo para se costurar outro tratado. A idéia é que depois de 2012 (quando expira a primeira fase do protocolo), novos compromissos de redução de emissões tenham validade até 2017. Países emergentes, como Brasil, Índia e China, não querem ouvir falar em metas formais antes de 2020.