Título: Juro é polêmica em debate sobre taxa de câmbio
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2007, Finanças, p. C1

"A estatística é como o biquíni: mostra quase tudo, menos o essencial." A frase, do ex-ministro, economista e diplomata Roberto Campos, morto em outubro de 2001, foi citada ontem pelo também ex-ministro Delfim Neto, para apimentar debate sobre câmbio promovido pelo Bradesco para as grandes e médias empresas suas clientes.

Delfim Neto culpou explicitamente a política monetária pelo que definiu como a "sobrevalorização do real" e foi voz dissonante em evento do qual participaram o ex-presidente do Banco Central e sócio da Tendências Consultoria, Gustavo Loyola, o diretor da Goldman Sachs, Paulo Leme, e o diretor de pesquisas econômicas do Bradesco, Octavio de Barros. Cerca de 400 pessoas assistiram ao debate, no hotel Renaissance, em São Paulo.

Octavio de Barros defendeu o atual nível de taxas de juros e câmbio, assim como a política monetária do Banco Central. Loyola até admitiu que os juros básicos no Brasil poderiam estar um ou dois pontos percentuais mais baixos, mas disse que não considera esse o fator determinante na apreciação cambial.

Leme preferiu não entrar na polêmica explicitamente, mas frisou em sua apresentação que as moedas dos chamados países emergentes têm se apreciado com relação ao dólar não por causa de investimentos especulativos, mas principalmente por conta de superávits na conta corrente e na balança comercial. "Os superávits dos emergentes são o espelho do déficit comercial e em conta corrente dos EUA", disse.

Delfim citou a frase de Roberto Campos sobre o biquíni ao comentar estatísticas apresentadas por Octavio de Barros, que mostravam que o real não é a moeda que mais se apreciou contra o dólar no último ano ou nos últimos seis meses. "Isso aconteceu, pois a apreciação maior já havia se passado antes", frisou, para completar que, "em quatro anos, o real foi sim a moeda que mais se apreciou no mundo".

Para Delfim Neto, política monetária excessivamente apertada do BC em um ambiente internacional de juros baixíssimos e ampla liquidez criou no Brasil um ambiente propício para ganhos financeiros fáceis dos investidores externos e provocou uma sobrevalorização do real. "O real é a commodity brasileira que mais atrai o interesse, pois não precisa de transporte e de logística e, com o nosso sistema financeiro avançado, os ganhos são certos e os riscos baixos", disse.

Ele contestou outro argumento usado por Octavio de Barros, de que o interesse dos investidores foi reduzido com a queda da Selic e que, apesar disso, o real se apreciou. O ex-ministro lembrou que os juros externos ainda estão baixos em relação às taxas reais internas brasileiras e destacou que o que importa é a expectativa do que acontecerá no futuro. Ele lembrou que a idéia investidores é aproveitar as taxas prefixadas ainda altas em reais, diante da perspectiva de que elas caiam e de que o real se valorize, com a possibilidade de o país se tornar grau de investimento (selo de investimento não especulativo).

Para Delfim Neto, o real não estaria "sobrevalorizado" se o BC "não viesse com a idéia metafísica de que é possível determinar o Produto Interno Bruto potencial com base em dados do passado". Já Octavio de Barros defendeu que o real não está "sobrevalorizado" e que juros em 10% ao ano hoje (a Selic está em 12,5%) não mudariam em nada o câmbio.

Apesar das divergências com relação ao ritmo de queda nos juros e seus impactos no câmbio, os palestrantes concordaram que uma valorização do real aconteceria de qualquer forma no ambiente internacional atual, com o consumo de commodities elevado na China, que elevou a demanda sem aumento na oferta na mesma proporção. "A alta do preço das commodities deve se manter enquanto durar o processo de urbanização chinês", acredita Octavio de Barros. Isso significa que o superávit comercial brasileiro deve continuar firme e forte.

"Agora, vemos também a entrada de investimento direto e de fundos de participações", diz ele, que acredita no dólar a R$ 1,95 no final do ano. Loyola também acha que a moeda pode romper os R$ 2,00 e que as intervenções do BC não poderão conter a queda, embora tenham a função de reduzir a volatilidade no câmbio. "Quanto mais o BC compra dólares e aumenta as reservas internacionais, mais melhora a percepção de risco do país, o que contribui para a queda do dólar."

As divergências pontuais entre os palestrantes não impedem que eles façam coro quando se trata de levantar propostas para o país melhor aproveitar o momento de apreciação de sua moeda. Todos defenderam que é hora de abrir o comércio para mais importações, de forma a reduzir o superávit comercial, e não implantar tarifas sobre produtos importados, como fez o governo recentemente. A redução nos gastos primários do governo, reformas tributária e trabalhista também foram citadas.