Título: ONGs agora cobram os emergentes
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2007, Caderno Especial, p. F1

Em se tratando de aquecimento global, as organizações não-governamentais (ONGs), até pouco tempo atrás, mantinham o seu foco de atuação nos países desenvolvidos, notadamente os maiores responsáveis pelas emissões de gases estufa. Entretanto, a estratégia está mudando: o rápido crescimento de nações emergentes como China, Índia e Brasil faz com que ambientalistas pressionem por corte na poluição fora dos tradicionais centros de riqueza. Para as ONGs, os chamados países pobres precisam assumir um compromisso de que vão crescer consumindo energia com mais eficiência.

Segundo o coordenador mundial para mudanças climáticas da Conservation International, Michael Totten, os países em desenvolvimento devem realizar reduções efetivas nas suas emissões de carbono. Para ele, a discussão toma o rumo errado com argumentos de que é possível conter a poluição apenas com tecnologias para o seqüestro de carbono, como planos de neutralização ou compensação de emissões. "Desta forma estamos lidando com apenas um lado do problema", observa.

Totten defende que Brasil, China e Índia adotem incentivos para aumentar a eficiência energética. Ele cita o caso da Califórnia, onde se criou um plano para a redução de consumo de energia nas residências. Muitos moradores atingiram um custo zero com o insumo pois ganham incentivos com a economia que realizam. A expectativa é de que até 2020, as emissões como um todo no Estado americano sejam reduzidas em até 25%. Medidas como essas, garante Totten, podem ser até cinco vezes mais baratas do que construir novas usinas geradoras de energia.

"A burocracia para se mudar do modelo que já está implantado é grande, mas temos que considerar o custo-benefício, existem ganhos econômicos", diz o ambientalista da Conservation International. Segundo seus cálculos, a China pode economizar algo como US$ 20 trilhões até 2030 se aumentar em 50% a eficiência energética de suas plantas geradoras.

Com relação ao Brasil, a principal preocupação das ONGs diz respeito a como reduzir o desmatamento de florestas nativas, maior fonte de emissão de gases estufa do país. Elas criticam o governo brasileiro por ter apenas atuado no combate ao aquecimento global com incentivos para a venda de créditos de carbono. Apenas recentemente, diplomatas brasileiros apresentaram uma proposta para que os países desenvolvidos paguem as nações emergentes para conter o desflorestamento. O movimento ocorreu ao mesmo tempo em que a própria Convenção do Clima das Nações Unidas sinalizou que poderia aceitar um mecanismo de prevenção ao desmatamento.

Mark Lutes, pesquisador da Vitae Civilis, ONG com sede em São Paulo, julga que o governo brasileiro deu um passo à frente ao discutir outras medidas além dos créditos de carbono. Por outro lado, acha que a diplomacia brasileira não tem agido de forma positiva nas negociações internacionais. Ele defende que o Brasil estimule seus parceiros emergentes, principalmente a China, a assumirem compromissos formais para a redução de emissões . "Os países em desenvolvimento precisam ter metas, não há mais argumentos, a posição do Brasil é insustentável", critica Lutes, ao lembrar que atualmente só nações ricas têm obrigação de reduzir sua poluição.

Na opinião do pesquisador do Vitae Civilis, o aquecimento global também traz desafios para as ONGs. Além de criticarem, ele pondera, elas devem apresentar soluções. Isso é especialmente verdade quando se fala em adaptação aos danos que podem causar as mudanças climáticas. O semi-árido brasileiro, alerta Lutes, é um dos locais que cientistas do clima afirmam estar sob perigo com a elevação das temperaturas. As ONGs devem estar atentas para ajudar a reduzir os impactos sobre o homem e a biodiversidade.

Totten, da Conservation International, argumenta no mesmo sentido. Na China, ele exemplifica, estima-se que 230 milhões de pessoas podem sofrer com falta de água por conta das mudanças climáticas. Por isso seria necessário agora já iniciar investimentos para a recuperação de rios poluídos. Mas Totten faz uma ressalva: não apenas infra-estrura extremamente cara é o caminho. Manter ecossistemas intactos é a melhor forma de conter erosão do solo, inundações e perda de fontes de recursos hídricos. "Devemos pensar em zonas de amortecimento naturais". (G.F.)