Título: Mudança no clima altera processos de produção
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2007, Caderno Especial, p. F1

Em janeiro de 2004, a Usina Termoelétrica Bandeirantes (UTEB) entrou em operação e começou a transformar metano - gás de efeito estufa - em energia elétrica. Pioneiro no Brasil, o projeto foi desenvolvido pela Biogás Energia Ambiental e financiado pelo Unibanco, que já economiza 20% em gastos com eletricidade ao fornecer energia própria para seus edifícios administrativos (as agências bancárias serão abastecidas a partir de 2008).

Graças ao empreendimento, o metano que iria para a atmosfera na decomposição do lixo no Aterro Sanitário Bandeirantes, onde foi instalada a usina, agora é captado por meio de coletores e enviado para os geradores da planta.

Fenômeno recente, a questão ambiental é vista por algumas empresas - e não só indústrias, a exemplo do Unibanco - como parte de sua equação de custos e receitas, além da urgência de preservar os recursos do planeta. Adotar sistemas de gestão e produção mais sustentáveis tornou-se uma necessidade não apenas no combate as mudanças climáticas, mas para manter-se competitivo no mercado.

"A instituição busca continuamente reduzir seus gastos", diz Marco Aurelio Giordano, gerente de meio ambiente do Unibanco. "O que a atraiu ao projeto foi a combinação de ser interessante do ponto de vista financeiro e por trazer benefícios ambientais." Giordano não revela se o investimento de R$ 45 milhões já se pagou, mas afirma que "será concluído como um projeto lucrativo".

O aterro terá vida útil até 2015 e, até lá, parte da energia gerada pela usina será vendida a empresas do mercado livre de energia elétrica. Segundo o executivo, o Unibanco tem atualmente mais de dez clientes, mas não informa a participação de consumo destas no total produzido. "Grande parcela da energia já é comercializada", admite.

Enquanto isso, no bairro de Perus, onde fica o aterro (a 26 km da capital), o cheiro de metano não invade mais as casas do entorno, e muitas delas tiveram, conforme relata o gerente, um benefício extra: "Para assegurar que a energia chegasse à rede de distribuição, regularizamos as ligações clandestinas da área".

Pneus velhos e jogados em aterros agora podem ser usados para ajudar a reduzir a emissão de gases. Desde 2001, a Votorantim está aumentando o consumo de pneus na queima de fornos em substituição ao coque.

"O forno perde produtividade com os pneus; em compensação, importamos menos combustível fóssil e reduzimos a produção de dióxido de carbono", explica Arnaldo Andrade, diretor técnico da Votorantim Cimentos. De acordo com ele, para cada tonelada de coque queimado nos fornos são gerados 3.110 kg de carbono, enquanto a queima da mesma quantidade de pneus emite 2.487 kg de carbono.

Na fábrica de Sorocaba, equipamentos que começaram a operar em fevereiro do ano passado e custaram R$ 11 milhões, permitem uma maior quantidade de pneus na queima.

Das doze unidades industriais da Votorantim, onze trabalham com essa tecnologia. "O cimento é uma ótima destinação de resíduos industriais. Estamos avaliando o uso de lixo urbano nos fornos, mas para isso é necessário fazer parcerias com as prefeituras", diz Andrade.

Pertencente à Votorantim Cimentos, a Engemix encontrou uma segunda aplicação para os pneus em suas plantas industriais. Em janeiro último, a companhia lançou no mercado o "concreto ecológico", que utiliza borracha triturada de pneus em sua composição, substituindo em até 30% a pedra britada.

O produto, desenvolvido pela ONG Via Vida, é mais flexível do que o concreto convencional e capaz de absorver impactos, daí o seu uso em barreiras rodoviárias e pisos de residências. "O Via Vida quer reciclar chinelos de borracha para o mesmo fim, mas ainda está em fase de testes", diz Renato Starling, gerente corporativo da Engemix, que tem exclusividade de venda do novo produto.

A ameaça de escassez dos recursos naturais também vem influenciando companhias a preservar o uso de água. A Ambev, maior fabricante de cerveja da América Latina, investiu R$ 64,9 milhões no ano passado em projetos ambientais, como a ampliação de estações de tratamento de efluentes. "Nosso objetivo é resguardar os recursos que constituem a matéria-prima da empresa", diz Beatriz Botelho, gerente de meio ambiente da Ambev. De acordo com a especialista, toda a água que as fábricas devolvem aos rios tem uma alta concentração de pureza. "O desafio é retirarmos cada vez menos quantidade desse líqüido dos rios e poços subterrâneos para nossas necessidades."

Atualmente, a cervejaria retira 20% menos água em comparação a 2002, o que foi possível com sua reutilização nos processos de lavagem de garrafas e engradados e na limpeza em geral. O consumo na produção de bebidas também caiu, passando de 5,62 litros de água por litro de cerveja em 2001, para 4,30 litros no ano passado.

Resíduos como bagaço de malte - subproduto da cevada - são reciclados e vendidos. "Avaliamos o valor dos subprodutos em uma determinada cadeia produtiva. No caso do malte, que é rico em potássio, ele serve de proteína na ração animal", diz Botelho. Em 2006, a venda de subprodutos geraram à Ambev uma receita de R$ 59,3 milhões.

Um empurrão do mercado internacional pode, às vezes, tornar uma empresa amiga do meio ambiente. A Embraco, uma das maiores fabricantes mundiais de compressores herméticos de refrigeração, com sede em Joinville (SC), criou um sistema de gestão no qual toda a cadeia produtiva eliminou o uso de substâncias tóxicas. A medida foi adotada para atender as demandas da União Européia - as exportações para os cinco continentes representam 70% das vendas da fabricante -, que instituiu que, a partir de julho de 2006, todos os componentes dos compressores deveriam estar isentos de substâncias nocivas ao meio ambiente. Por isso, a Embraco começou a operar em abril de 2005 atendendo essa exigência, a fim de poder entregar os compressores "limpos" na data estabelecida.

A companhia não revela quanto investiu em sua nova configuração industrial, incluindo o IECQ QC 080.000 HSPM, certificação européia que estabelece e fiscaliza processos de gestão para evitar a entrada de substâncias tóxicas na cadeia produtiva.

"Todas as tecnologias disponíveis até então envolviam o uso de materiais pesados. A princípio, nossos fornecedores criaram muita resistência, ninguém conhecia outras alternativas e as mudanças implicariam em novos custos", diz André Aranda, coordenador do projeto de certificação IECQ. Com a ajuda da Embraco na busca de soluções técnicas, aos poucos os fornecedores deixaram, por exemplo, de usar chumbo na tinta para pintar o compressor, ou cádmio em componentes no material de solda. "Embora o Brasil ainda não faça as mesmas exigências, passamos a usar as mesmas tecnologias para atender o mercado nacional", enfatiza Aranda.

Outra companhia que vem eliminando o uso de substâncias tóxicas nos seus processos industriais é a 3M do Brasil. Os solventes, que se encontravam em boa parte dos produtos da empresa, estão sendo substituídos por um processo que utiliza água como solvente. "Nosso objetivo é substituir todos os solventes; eles produzem mau ozônio na atmosfera e conseqüentemente problemas respiratórios e desfolhamento das árvores", informa Paulo Deuber, gerente de meio ambiente da 3M do Brasil. Nos últimos dois anos, a empresa eliminou 85% de sua produção de solventes, e a meta é reduzir mais 25% dos 15% restantes até 2010.

Ao mesmo tempo que vai elevar sua capacidade de produção de 700 mil toneladas de papel por ano para 1,1 milhão de toneladas/ano, a Klabin, a maior produtora e exportadora de papéis do Brasil, diminuirá seu gasto com energia graças ao uso de biomassa. Sua principal fábrica de Telêmaco Borba, no Paraná, passa por uma ampliação e será a mais econômica em uso de água do setor no país, em um investimento total de R$ 2,2 bilhões - dos quais R$ 300 milhões em meio ambiente. O consumo de água será reduzido de 36 m3/tonelada para 30 m3/tonelada e haverá redução de 15% no volume de efluentes por tonelada produzida.