Título: Sustentabilidade é o desafio do mundo corporativo
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2007, Caderno Especial, p. F1

Elas são, quase sempre, líderes de mercado, anotam taxas de crescimento acima da média de seus setores de atuação e apresentam uma outra característica em comum: investem em produtos e processos ambientalmente amigáveis e economicamente sustentáveis. Trata-se da mais nova trincheira aberta pelas empresas para agregar diferenciais a seus produtos e disputar espaços no mercado, numa vertente de negócios que tem atraído um número crescente de indústrias. A proposta é economizar energia, poupar recursos naturais e reduzir emissões de gases formadores do efeito estufa.

A Natura, que ostenta planos de se tornar uma empresa "carbono neutro" até 2008, incrementa seus projetos nesta área ao mesmo tempo em que engorda sua fatia de mercado. Em quatro anos, de acordo com a empresa, conseguiu quase dobrar sua participação no segmento de cosméticos, saindo de 12% para 22,8% no ano passado. Enquanto na média o mercado de cosméticos, fragrâncias e higiene pessoal cresceu 13,4% entre 2005 e 2006, com aumento de 18% para o setor de vendas diretas, a receita bruta consolidada da Natura cresceu quase 20%, somando R$ 3,89 bilhões. No primeiro trimestre deste ano, a empresa voltou a crescer em ritmo mais forte do que a média do mercado. Considerando-se o segmento de vendas diretas, que apresentou incremento de 9,7% na comparação com os primeiros três meses do ano passado, a Natura registrou avanço de 15,9%, ampliando sua participação no setor de 32,8% para 34,7%.

Ainda no ano passado, a Natura tornou-se a primeira indústria brasileira a firmar acordos que prevêem remuneração pela apropriação e uso de conhecimento tradicional difuso. As parcerias foram firmadas com as associações Ver-as-Ervas, que representa os erveiros do mercado Ver-o-Peso, de Belém, e de Produtores de Boa Vista, de Acará, também no Pará. O contrato de Repartição de Benefícios por Acesso ao Conhecimento Tradicional Difuso Associado ao Patrimônio Genético com a representação dos erveiros do Ver-o-Peso foi assinado em outubro de 2006. "Trata-se de um trabalho complexo. Na verdade, a empresa já vem remunerando o patrimônio genético brasileiro há algum tempo e está empenhada para que o país adote uma regulamentação clara e transparente para o setor", afirma Daniel Gonzaga, diretor de pesquisa e tecnologia da Natura.

As mais recentes investidas da empresa incluem o lançamento de uma tabela ambiental, inspirada nas tabelas nutricionais impressas nas embalagens de alimentos, e o uso de PET reciclado nos frascos e recipientes de seus cremes, xampus, sabonetes e demais cosméticos, destaca Gonzaga. A tabela, uma novidade que apresenta ao consumidor o total de material reciclado utilizado no produto, assim como o percentual de matérias-primas de origem vegetal renovável e vegetal natural e de produtos com certificação de origem, acrescenta ele, deverá evoluir para agregar, ainda, o índice de emissão de carbono por produto.

O desenvolvimento de embalagens PET recicláveis, em parceria com a BahiaPet, responsável pela tecnologia que permite a descontaminação do produto, consumiu três anos de pesquisa. Espera-se uma redução de 15% no impacto ambiental, quando comparado ao causado pela embalagem convencional. Todo o material resulta do trabalho da Rede Cata Bahia, uma cooperativa de catadores de resíduos do Estado, num projeto desenvolvido pelo Pangea - Centro de Estudos Socioambientais. Inicialmente, diz Gonzaga, perto de 30% das embalagens passam a incorporar o PET reciclado em sua composição.

A produção sustentável, observa Flávia Moraes, gerente geral de sustentabilidade da Philips, cria uma grande possibilidade de retorno financeiro e de lucros para a empresa. Desde 1998, a Royal Philips Electronics, com sede na Holanda, desenvolve a linha Green Flagships, contemplando atualmente mais de 200 produtos que apresentaram melhor desempenho ambiental e índices de eficiência energética superiores à geração anterior ou aos da concorrência.

No final do ano passado, um produto integralmente desenvolvido pela fábrica de Capuava (SP), da Philips do Brasil, obteve o selo Green Flagship, conferido pela matriz holandesa. A linha de lâmpadas fluorescente tubular e de reatores Eco Master, destaca Márcio Quintino, responsável pela área de Green Flagships na América Latina, apresenta vida útil 60% mais longa, reduzindo níveis de descarte (e, portanto, a geração de resíduos em escritórios e fábricas), e consome até 25% menos de energia. Globalmente, acrescenta Quintino, os produtos Green Flagships movimentam perto de 2,2 bilhões de euros, representando 8% das vendas mundiais da Philips.

O Bradesco utiliza papel reciclado para suprir 93% de seu consumo interno, estimado em 600 toneladas por mês, segundo Jean Philippe Leroy, diretor do Departamento de Relações com o Mercado. O orçamento do banco para projetos socioambientais inclui investimentos de R$ 280 milhões por ano, em média, de acordo com Leroy. A reciclagem, entre outras decisões tomadas com o mesmo escopo, lembra o diretor, vem sendo adotada gradualmente pelo Bradesco desde fevereiro de 2005. "O conceito é ser mais correto no uso de insumos", declara.

Em setembro do ano passado, o Bradesco iniciou o levantamento das emissões de carbono causadas, direta ou indiretamente, pelas atividades do banco e pelo deslocamento de seus executivos em todo o país, com base no método GHG, um protocolo para medição de emissões de gases do efeito estufa reconhecido pelas Nações Unidas, e na norma ISO 14064, que estabelece formas de mitigação do efeito estufa, ainda sem tradução para o português. O programa, desenvolvido com a SOS Mata Atlântica, prevê neutralizar essas emissões por meio do plantio de árvores em todo o país.

Tradicional fabricante de máquinas-ferramenta e sistemas de usinagem de alta precisão, a Indústrias Romi S.A. desenvolveu uma nova família de máquinas injetoras de plástico que torna possível reduzir o consumo de energia em até 60%, dependendo do tipo de aplicação, além de diminuir a geração de resíduos em sua operação, segundo o diretor-presidente da empresa, Américo Emílio Romi Neto.

Lançada no ano passado, a Eletramax é acionada a partir de motores elétricos e controles eletrônicos, o que praticamente reduz a zero o uso de óleo hidráulico. A máquina realiza 10 a 12 movimentos integralmente controlados por computador, o que permite racionalizar o consumo de energia. "Numa operação com ciclo de 30 segundos, por exemplo, a injetora consome energia durante 20% a 30% daquele intervalo, aplicando a força e a potência necessárias apenas no momento em que a máquina é exigida", detalha.

Numa similar hidráulica, lembra ele, haveria consumo de energia durante todo o ciclo, com o agravante de que ainda seria necessário consumir eletricidade para resfriamento do óleo. No caso da injetora elétrica, a Romi antecipou-se a uma tendência nascida há cerca de quatro anos no Japão, onde essa tecnologia já domina 90% do mercado. O custo entre 20% a 30% mais elevado do que a convencional paga-se em um a dois anos de operação, sustenta Romi Neto.

Com 40% de participação no segmentos de máquinas-ferramenta e de 35% no caso das injetoras, a Romi comemorou, no ano passado, resultado recorde em sua história, ao alcançar lucro líquido de R$ 83 milhões para uma receita líquida de R$ 548 milhões (8% mais do que em 2005).

A Faber-Castell, líder no setor, conseguiu sustentar crescimento de 12%, o que permitiu ao grupo manter participação de 33% no mercado, com destaque para lápis de cor e grafite, onde sua fatia é de 65% e 54%, pela ordem. "Somos uma empresa com fortes raízes no passado e uma visão de longo prazo bastante presente, concretizada numa produção de elevada qualidade social e ambiental", afirma Jairo Cantarelli, gerente da divisão madeira da Faber-Castell para o Brasil e Costa Rica.

A empresa utiliza 100% de madeira cultivada para produzir 7 milhões de lápis por dia. Grande parte da matéria-prima utilizada no processo vem de uma área de 9,6 mil hectares de florestas cultivadas na região de Prata, com certificação pelo Forest Stewardship Council (Conselho de Manejo Florestal ou FSC, na sigla em inglês). Cerca de 26% da área total são ocupados por mata nativa e preservados pela empresa, o restante destina-se à produção de pinus.