Título: Legislação precisa ser mais específica
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2007, Caderno Especial, p. F1

O aumento da temperatura média global neste século não tem precedentes nos últimos 10 mil anos e já não é mais possível alterar completamente o quadro da mudança do clima. No entanto, há de se estimular ações que, se adotadas hoje, produzirão efeitos dentro de cerca de 50 anos. Para isso, os governos dispõem de instrumentos de duas naturezas matematicamente opostas, mas com objetivos convergentes: multar quem não segue princípios ambientalmente responsáveis e incentivar aqueles que os seguem.

O Brasil seguiu o segundo caminho em termos de mudança de clima, de acordo com Luiz Gylvan Meira Filho, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo e ex-secretário de Políticas e Programas em Ciência e Tecnologia do Ministério da Ciência e Tecnologia, além de presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB). Mas já há indícios de que a outra opção também poderá vir a ser adotada. "O investidor planeja a longo prazo, e quem financia se torna co-responsável, criando uma cadeia de responsabilidade objetiva, o que pode nos levar a mudanças nessa área", acredita o cientista.

Meira Filho lamenta que a legislação brasileira sobre o assunto seja tão pouco específica. "No âmbito federal há necessidade de ampliar a efetividade e o alcance do Programa de Investimentos de Fundos Alternativos de Energia (Proinfa), mas nos Estados há pouca coisa regulamentada ou mesmo implementada" .

A advogada especialista em direito ambiental Flavia Frangetto, sócia da Siqueira Castro - Advogados e conselheira do Conselho de Meio Ambiente da Federação das Indústrais do Estado de São Paulo (Fiesp) enfatiza a necessidade de uma legislação que crie parâmetros em relação ao meio ambiente. Para ela, o ideal seria que se instituísse um projeto de lei que abordasse a hipótese de o poder público se utilizar da solução de conflito ambiental via arbitragem, fato que aceleraria o encerramento de disputas envolvendo o meio ambiente que atualmente são resolvidas apenas na esfera do Judiciário.

No âmbito estadual, São Paulo tem uma das mais novas propostas. Trata-se do Projeto de Lei 383 que institui a política estadual sobre mudança global no clima. O projeto tipifica as emissões de efeito estufa para reduzir e prevenir emissões de carbono e pretende aproximar os implementadores de programas de carbono das questões jurídicas, como a criação de saldo ambiental para pessoas físicas e jurídicas. Apresentado inicialmente no final de 2006 e novamente em 25 de abril de 2007 pelo deputado Adriano Diogo (PT-SP), no início da nova legislatura na Assembléia paulista, o projeto é fruto de uma iniciativa supra-partidária. "O lixo e os veículos automotores são o principal problema ambiental em São Paulo, seguidos pela poluição dos lagos e rios", diz Diogo.

Para o advogado especialista direito administrativo, urbanístico e ambiental e secretário-geral da Sociedade Brasileira do Direito do Meio Ambiente, Toshio Mukai, há um problema de interpretação do texto constitucional que facilita a instituição de uma área difusa quanto às responsabilidades e eventuais direitos. "O poder público tem o dever de proteger o meio ambiente - e o faz por meio, basicamente, do exercício do poder de polícia. No campo ambiental, as restrições são menos quantitativas e mais qualitativas, mas existem, e quando a Constituição diz que é um dever defender o meio ambiente e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, esse dever cabe à coletividade, cabe a todos e a cada um", explica. "Mas ´da coletividade´ significa de todos e de cada um. Será que cada um de nós tem de sacrificar-se em benefício da coletividade, em matéria de meio ambiente?".

O advogado exemplifica: deve-se suportar sozinho uma restrição ambiental que será em benefício da coletividade, e com isso não ter nenhuma indenização, ou, ao contrário, exatamente porque se deve suportar essas restrições de uso da propriedade em benefício da proteção do meio ambiente é que se tem o direito de ser indenizado por essa mesma coletividade que se favorece com o seu sacrifício? O poder público, por meio dos recursos que ele cobra, via tributos, faz com que essa mesma população indenize aquele cidadão que foi sacrificado em benefício da coletividade."

Do ponto de vista meramente econômico, também há mudanças à vista. Com a implementação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDLs), os países ricos podem financiar projetos de energia renovável e reflorestamento nos países pobres. Em troca, receberiam créditos de carbono, que contariam para atingir suas metas internas. Mas não são apenas as nações as beneficiárias dos MDLs. As empresas investidoras também podem colher dividendos dessas ações, pois podem utilizar estas iniciativas como um marketing.