Título: Efeito aquecimento
Autor: Mattos, Adriana
Fonte: Valor Econômico, 09/05/2007, Caderno Especial, p. F1

Nos últimos tempos, países se lançaram numa corrida para tentar entender os efeitos das ações nocivas do homem ao planeta. O estopim do movimento foi o recente aumento de temperatura da Terra, que superou expectativas. Especialistas desengavetaram modelos climáticos e aventuraram-se a prever o que poderia dar errado no mundo. Brotaram uma série de previsões - algumas catastróficas - sobre as conseqüências do aquecimento global à população. Passado o susto, físicos, cientistas e políticos concentram esforços para mitigar, retardar ou neutralizar o impacto ambiental nas regiões do globo.

Esses foram exatamente os pontos-chave de um debate liderado na última sexta-feira por uma das mais respeitadas fontes de informação do mundo sobre o tema, o IPCC (Painel das Nações Unidas sobre Variações Climáticas). Na Tailândia, pesquisadores do IPCC apresentaram um aguardado relatório que determinava ações possíveis nesse sentido. No Brasil, o Valor realiza hoje, em São Paulo, um amplo seminário sobre o tem, intitulado "Créditos de carbono e mudanças climáticas".. O intuito é debater o impacto do aquecimento global e as iniciativas que estão em andamento para evitar a escalada de prejuízos.

"O aquecimento global deixou de ser uma questão de interesse de acadêmicos para se transformar num problema que todos reconhecem como grave e que precisa ser enfrentado. Se medidas não forem tomadas hoje para reduzir as emissões [de gases poluentes] que provocam o aquecimento, os custos impostos à sociedade serão enormes", diz o professor e ex-secretário estadual do Meio Ambiente, José Goldemberg. Esses custos, nas contas do IPCC apresentadas na última semana, podem chegar a até 3% do PIB mundial em 2030.

Representantes do governo, economistas e entidades empresariais acreditam que existe hoje uma mobilização na busca por soluções que possam abrandar os efeitos das variações no clima. Afirmam que esse movimento ganha corpo em alguns setores da economia brasileira, mas admitem que ainda há uma série de obstáculos nesse processo.

"Um grande número de companhias já tem percepção clara do que está em discussão. Mas quando você vai para o ´chão´ da empresa, as dificuldades aparecem. O empresário, muitas vezes, não sabe o que ou como fazer", afirma Nelson Pereira dos Reis, diretor do departamento de meio ambiente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Na avaliação de Francisco Graziano Neto, secretário estadual de Meio Ambiente, há algumas iniciativas sendo tomadas pelos governos neste momento. "Obviamente que plantar árvore ajuda, mas não resolve a questão. Estamos fiscalizando as fronteiras de São Paulo para evitar a entrada de madeira nobre da Amazônia e reduzir o desmatamento na região. Também vamos condicionar, a partir de 2008, as concessões de licenças ambientais para usinas de açúcar à exigências como o emprego de novas tecnologias para a erradicação das queimadas" afirma ele. "Tudo isso é importante, mas é preciso um engajamento nacional, do setor público e privado."

Relatórios internacionais mostram que o desmatamento é a maior fragilidade do Brasil no campo ambiental. As análises globais sobre o nível de emissão de CO2 na atmosfera, como resultado de queimadas na Floresta Amazônica, colocam o país numa apertada saia-justa. "Nos debates mundiais, quando a questão da queimada vem à tona, aí não tem para onde correr: o Brasil fica lá em cima [em quarto lugar] no ranking dos maiores países emissores de gás CO2 na atmosfera", explica Haroldo Mattos Lemos, presidente do Instituto Brasil Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente). "É preciso reverter esse processo", diz. Esse é um dos principais fatores que tem acelerado a elevação da temperatura na Terra, ao lado da queima de combustíveis fósseis, segundo a entidade.

O desmatamento da Floresta Amazônica é responsável por cerca de 70% das emissões de CO2 no país. Em relatório de 79 páginas publicado em março pelo IPCC intitulado "Historical Overview of Climate Change Science", entre 16 conseqüências possíveis, com alta probabilidade de acontecer no mundo, está a "recolocação de floresta tropical por savanas no leste da Amazônia" em longo prazo.

O governo afirma que tem atuado nessa questão. No ano passado, foram identificados 85.219 focos de queimada nos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, Mato Grosso e o oeste do Maranhão em 2006, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e do Sipam (Sistema de Proteção da Amazônia). O número é 47,2% inferior ao verificado em 2005. O problema aí é que existe uma possibilidade de que essa redução tenha sido resultado, em grande parte, de variações climáticas locais, como o aumento de umidade.

De acordo com José Goldemberg, para um controle efetivo das queimadas, "as ações do poder público são fundamentais e, no Brasil, o governo federal tem se recusado a reconhecer a gravidade do problema e tem feito pouco para reduzir o desmatamento da Amazônia".

Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético do Coppe/UFRJ, concorda com essa posição e vai mais longe. "Há uma série de medidas que já poderiam ter sido tomadas, de custo baixo e com tecnologia já disponível, e que não saem do papel no Brasil", diz Schaeffer, um dos pesquisadores brasileiros que compõem o IPCC.

"A geração de energia elétrica por meio do bagaço da cana ainda engatinha no país. Nem mesmo políticas mais rigorosas no uso do automóvel nas grandes cidades brasileiras foram desenvolvidas até agora. As principais capitais do mundo estão mais avançadas que nós", completa ele.

Segundo Romildo de Oliveira Campelo, diretor-adjunto do Departamento de Meio Ambiente do Ciesp, nos últimos anos as empresas estão adotando medidas para mitigar os reflexos nocivos do aumento de temperatura no país. "A indústria não é mais a vilã dessa história", diz Campelo. Ele cita, como exemplos, a ampliação na capacidade de reutilização da água nas grandes empresas, a redução no volume de resíduos sólidos por meio da utilização máxima dos produtos e o uso do lixo como fonte de energia.

No Brasil, os dados mais atuais sobre esse tema foram divulgados em janeiro pelo IBGE. Segundo o instituto, o investimento das indústrias em controle ambiental cresceu 86,3% em cinco anos - de R$ 2,2 bilhões em 1997 para R$ 4,1 bilhões em 2002. O número de empresas que colocam recursos nesse tipo de projeto subiu de 3.823 para 6.691 - alta de 75% no mesmo período.

Nos relatórios mundiais que mapeiam os efeitos do aquecimento global, há um consenso: é fundamental que governos e indústrias invistam em energias renováveis e em biocombustíves. Quanto a isso, o Brasil vai bem. "A matriz energética brasileira é limpa, com foco no uso de energia provinda de hidrelétricas. Então, comparativamente a outros países, o cenário é bom", conta Campelo, do Ciesp. Além disso, o país está ampliando o número de usinas de biodiesel. Até o fim de 2007, nas contas do Ministério de Minas e Energia, 20 novas usinas de biodiesel entrarão em operação. Há 22 em funcionamento hoje.

Nesse caminho de adaptação surgem oportunidades de negócios. O mercado de carbono é um exemplo. Consultorias e escritórios de advocacia querem criar bolsas de negócios para a comercialização de créditos de emissões atmosféricas entre empresas ainda em 2007. O escritório Pinheiro Pedro Advogados está, neste momento, esquematizando o funcionamento de uma bolsa nesse formato. A Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) deve começar a comercializar créditos de carbono no país em 2007.

Oportunidades também devem aparecer na atividade agrícola. Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri) concluíram, em 2006, uma pesquisa sobre os efeitos do aquecimento global em cinco culturas - café, arroz, feijão, milho e soja. Ao se elevar a temperatura média do país em 3°C, esses produtos perderiam em média 24% de sua área plantada. Na soja a queda atingiria 40%, e no café, 58%. São Paulo e Minas Gerais já estão perdendo terreno na produção do café arábica para regiões mais frias. "Mas esses Estados podem ampliar a produção do café robusta, que possui a saca mais barata", sugere diz Hilton Silveira Pinto, pesquisador do Cepagri.