Título: Consumidores de gás querem discutir ressarcimento em caso de contingência
Autor: Maia, Samantha e Schüffner, Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 12/04/2007, Brasil, p. A2

Apesar do ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, ter dito que as usinas térmicas terão prioridade no uso de gás natural em caso de um racionamento, os grandes consumidores de energia entendem que esse ponto ainda não está fechado nas discussões do Plano de Contingenciamento. Segundo Luiz Mesquita, diretor da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia (Abrace) e coordenador do grupo que representa as entidades empresariais consumidoras de gás nas reuniões, o documento ainda não foi concluído. "Estamos trabalhando junto ao governo há cerca de nove meses e a prioridade das usinas ainda está sendo discutida", diz.

Os grandes consumidores também sugerem alterações na ordem de mérito dos despachos de energia pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) de modo a priorizar as usinas que usam diesel como combustível. Hoje o ONS obedece a chamada "ordem de mérito de custo", que prioriza as usinas mais baratas, ou seja, a gás, obedecendo ao princípio de modicidade tarifária do novo modelo elétrico. O custo maior desse procedimento, se vier a ser adotado, também está sendo debatido com o governo, disse Mesquita. Para Marcos Vinicius Gusmão Nascimento, vice-presidente da Abrace, essa diferença de custo deveria ser coberta pelo supridor de gás, ou seja, pela Petrobras.

"Houve erro de planejamento, e agora o plano é uma necessidade. Só lamentamos que o país tenha que pagar pelo erro de planejamento de quem fornece o gás. Torcemos para que esse plano não tenha que ser colocado em prática", diz o vice-presidente da Abrace.

Um pedido da entidade, segundo Nascimento, é que as empresas com equipamentos preparados para trabalhar também com outro combustível, geralmente óleo, paguem menos pelo gás consumido agora, já que correm o risco de sofrer um corte no suprimento.

A Petrobras já oferece contratos do tipo "firme flexível" (onde o consumidor bi-combustível pode usar outro combustível para substituir o gás) e do tipo "interruptível" (com possibilidade de corte no fornecimento em troca de descontos no preço) nas negociações para renovação dos contratos das distribuidoras e grandes clientes. Além dessas duas modalidades, a estatal oferece contratos do tipo "firme inflexível" (onde o cliente paga por quantidades mínimas tendo garantia total de suprimento), e o contrato "preferencial", onde é o cliente que pode suspender o fornecimento. Esse último, segundo a estatal, foi desenhado para térmicas que usarem GNL.

Lucien Belmonte, superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro), considera o plano anunciado por Rondeau muito rigoroso. "Sabemos dessa intenção do governo há um bom tempo, e esse assunto tem sido muito discutido. Mas como pode, na falta de gás, você escolher dar tudo a um filho (as térmicas) e matar o outro (a indústria) de fome?"

Ele reclama da falta de uma política energética para o gás, problema que criou uma demanda pela matéria-prima maior que a capacidade de fornecimento. "Não é possível, por exemplo, a expansão do gás veicular nos últimos anos."

Para Carlos Roberto Silvestrin, vice-presidente da Associação Paulista de Cogeração de Energia (Congen-SP), a iniciativa do Ministério de Minas e Energia é uma "paulada" nos grandes consumidores de gás natural. Ele admite, porém, que o plano é necessário nesse momento. "Se há falta de gás, infelizmente é preciso estabelecer para quem é prioritário fornecer."

O plano de contingência do gás natural que está em gestação no Ministério de Minas e Energia para responder a um eventual racionamento de energia elétrica deve prever medidas mitigadoras, consumos prioritários e mecanismos de compensação para consumidores que tiverem sua demanda reduzida de forma compulsória. Prevê também rateio dos volumes remanescentes de gás disponível entre consumidores no caso de oferta insuficiente para atender toda a demanda de gás.

Uma versão preliminar do Plano, datada de fevereiro e obtida pelo Valor, determina que sejam consideradas prioritárias todas as térmicas apontadas pelo Operador do Sistema Elétrico (ONS) como necessárias para geração de energia por razões elétricas, ou seja, quando for identificado problema na transmissão do sistema interligado nacional que exija uma geração localizada em determinada região do país ou cidade.

Em alguns pontos, parece clara a intenção de atribuir à Petrobras algumas responsabilidades e penalidades. Ao declarar que as térmicas serão prioritárias, o ministro Rondeau demonstra que ainda persistem no governo contradições quanto à obrigatoriedade da estatal suprir gás para usinas sem contrato de compra ou que não tenham vendido energia nos leilões promovidos pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), como determina o novo modelo do setor elaborado pela hoje ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. A questão não é irrelevante, mas a Petrobras não se pronunciou ontem.

Para o economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), as declarações de Rondeau sugerem que o tema poderá gerar controvérsia entre a União e os Estados. Ele lembra que a Constituição determina que a distribuição do gás nos Estados seja regida por legislação estadual. "Não sei se o governo federal tem autoridade para, em caso de faltar energia, desviar gás da indústria e automóveis para térmicas. Um Estado pode entender que o gás para térmicas não é prioridade.", diz Pires.