Título: Receita mira ricos
Autor: Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 17/12/2010, Economia, p. 14

CONJUNTURA Delegacia especial vai fiscalizar as contas de 5,2 mil grandes fortunas

Os milionários estão sob a mira da Receita Federal. A exemplo do que já ocorre com as maiores empresas, o Fisco vai inaugurar, antes do fim do ano, uma delegacia especializada no acompanhamento e fiscalização de 5,2 mil grandes fortunas particulares. Na lista, estão empresários, detentores de participação acionária expressiva em companhias, patrimônios elevados e até mesmo deputados e senadores. A ser instalado em Belo Horizonte, o departamento está, segundo o secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, pronto para começar o trabalho, com auditores treinados para vasculhar suspeitas de omissão de receitas, planejamento tributário, sonegação e fraudes. O pontapé inicial só depende da assinatura de uma portaria pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

A necessidade de se criar um centro de controle específico para o grupo de contribuintes é a pouca eficiência do atual sistema de malha fina em detectar operações complexas no mercado financeiro ou manobras de pessoas físicas que aproveitam brechas na lei para pagar menos impostos. ¿Descobrimos que esse tipo de engenharia não se restringia somente às empresas. A malha é bastante eficiente para fiscalizar os trabalhadores assalariados e os profissionais liberais, mas não os grandes contribuintes¿, justificou Cartaxo, que está deixando o cargo.

Apesar de dizer que o alvo da fiscalização serão os ¿grandes capitalistas¿, o secretário não revelou os critérios para definir o grupo ¿ entre as pessoas jurídicas, uma das exigências é o faturamento anual de R$ 80 milhões. ¿O caso das pessoas físicas é mais delicado, porque envolve sigilo fiscal¿, afirmou, esquecendo-se, por um minuto, que o segredo também se aplica às empresas. Os funcionários treinados para atuar nos casos já têm em mãos dossiês com informações dos selecionados.

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Pedro Delarue, defendeu a iniciativa e ressaltou que, mesmo estando na capital mineira, a delegacia não se restringirá à jurisdição regional. ¿Há uma necessidade de especializar auditores para combater o planejamento tributário. E é preciso manter o foco nos grandes contribuintes, nos quais a possibilidade de sonegação é maior porque a vantagem teoricamente obtida também é maior¿, argumentou.

O advogado tributarista e consultor do Centro de Orientação Fiscal (Cenofisco) Jorge Lobão alertou que, apesar de positiva, a criação de uma delegacia especializada envolve grande risco. ¿Tivemos um exemplo parecido no âmbito estadual (no Rio de Janeiro) há alguns anos, no qual uma superintendência especializada em grandes contribuintes foi fonte de uma infinidade de escândalos de corrupção¿, comentou.

Para Lobão, a comparação deve ser feita com ressalvas, mas a criação da delegacia caminha na contramão do processo de reforço na fiscalização da Receita. ¿O Estado está se preparando rigorosamente para ter um controle maciço via meios informatizados e está corretíssimo. Mas criar, nesse meio tempo, uma porta para a corrupção é muito ruim. Todas as delegacias têm de estar preparadas para identificar e fiscalizar fraudes¿, disse.

DECISÃO DO STF ATRAPALHA » O secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo, afirmou ontem que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir o acesso a dados bancários de contribuintes apenas com autorização judicial prévia deve atrapalhar o trabalho dos auditores durante a fiscalização. ¿No mínimo, aumenta o tempo que os processos vão levar¿, disse. Cartaxo afirmou que, após a extinção da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), utilizada pelo Fisco como parâmetro de verificação das transações bancárias dos contribuintes, os dados estavam sendo bastante utilizados. A decisão tomada na quarta-feira pelo STF altera um entendimento firmado em novembro, quando a corte havia revogado uma liminar do ministro Marco Aurélio Mello que impedia a Receita de quebrar sigilos sem autorização da Justiça. (GC)

RECORDE EM MULTAS Seguindo a orientação de reestruturar a casa e garantir a volta do crescimento da arrecadação, dada pelo gabinete do Ministério da Fazenda, a Receita Federal pretende encerrar o ano com volume recorde de créditos tributários recuperados por meio da fiscalização. A expectativa é de que o valor total dos autos de infração (principal, multa e juros) chegue a R$ 94 bilhões, superior aos R$ 90,39 bilhões obtidos no ano passado.

O caminho a ser percorrido é longo. Até outubro, o lançamento dos créditos totalizou R$ 52,9 bilhões, ante R$ 49,2 bilhões no mesmo período de 2009. Para o secretário da Receita, Otacílio Cartaxo, a estimativa de praticamente dobrar o valor é factível. ¿No segundo semestre e especialmente nos últimos meses do ano, há muitos processos de fiscalização que são fechados¿, disse.

A pouca diferença de desempenho entre os dois anos, mesmo em um período onde o foco da instituição foi reforçar a fiscalização, resulta, segundo o secretário, do deslocamento dos auditores-fiscais e outros profissionais para cursos de reciclagem e de capacitação. ¿Toda a equipe de fiscalização foi treinada¿, garantiu.

O secretário aproveitou a apresentação para fazer o que ele chamou de ¿pré-balanço¿ de sua gestão. ¿Cheguei em um período crítico (de crise econômica e institucional). A primeira providência foi pacificar a casa e iniciar minha função, que foi a de recuperar a arrecadação¿, afirmou. Cartaxo aproveitou para criticar as gestões anteriores ao afirmar que os sucessivos recordes mensais deste ano refletem não apenas a recuperação da economia, mas também do comando da casa. ¿O recolhimento de impostos é o produto final da Receita. O principal desafio foi reestruturar áreas que estavam precárias. Tive que descer no chão da fábrica para fechar os ralos.¿

Alguns dos ¿ralos¿ fechados pelo secretário foram as históricas filas nos postos da Receita, diminuídas com a criação do agendamento de atendimento e da regularização on-line da declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física. De acordo com a Receita, entre 2008 e 2010 o tempo médio de espera nas delegacias do Fisco caiu de 27,2 minutos para 15,5 minutos. O secretário, no entanto, afirmou que a reestruturação ainda não foi concluída. Ele acredita que entregará uma ¿herança bendita¿ ao novo secretário, Carlos Alberto Barreto, que assumirá em janeiro. ¿Minha administração foi recordista. Espero que ele consiga novos recordes.¿ (GC)

INDÚSTRIA DEMITE » O saldo de demissões e contratações no setor industrial ficou negativo em 24,3 mil vagas no mês passado, numa queda de 0,11% em relação a outubro, segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged). Apesar do resultado no segmento, toda a economia gerou 138,2 mil vagas formais, segundo melhor desempenho para os meses de novembro desde o início da série histórica, em 1992. No acumulado no ano, foram criados 2,544 milhões de postos com carteira assinada.