Título: Apesar dos choques, EUA e Venezuela mantêm elos
Autor: Lamucci, Sergio; Murakawa, Fabio
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2013, Internacional, p. A13

Nos anos Chávez, as exportações de petróleo da Venezuela para os Estados Unidos perderam terreno, ao mesmo tempo em que as vendas para a China ganharam espaço importante, especialmente nos últimos anos. Os EUA ainda abocanham quase 40% das exportações venezuelanas do produto, mas a trajetória de recuo deve continuar, num cenário em que a produção americana de petróleo e gás de xisto cresce com força. As vendas para a China, por sua vez, tendem a ter cada vez mais relevância.

Em 1998, um ano antes de Chávez assumir a Presidência, a Venezuela exportou, em média, 1,718 milhão de barris de petróleo cru e derivados por dia para os EUA. Em 2012, o total ficou em 951 mil, um número 44,6% menor, segundo a Agência de Informação sobre Energia dos EUA. Quando se considera a diferença entre o que a Venezuela exportou e o que importou dos EUA, o recuo é maior, beirando os 50%, de 1,7 milhão para 866,5 mil barris por dia (bpd).

Chefe de análise para a América Latina da consultoria Control Risks, Nicholas Watson chama a atenção para a crescente importância das vendas para a China, um passo crucial na estratégia venezuelana de diversificar os mercados para o petróleo e reduzir a dependência dos EUA. "Em 2005, a PDVSA [a estatal do petróleo] exportava 49 mil bpd para a China. Hoje, vende 518 mil e quer chegar a 1 milhão em 2015", diz Watson, observando que essa não é uma tendência de curto prazo. "A China quer uma relação de fornecimento de petróleo de longo prazo com a Venezuela."

Ele nota, porém, que os EUA são um cliente muito importante para a Venezuela. Os americanos ainda compram cerca de 38% do petróleo venezuelano, e são um dos poucos países que pagam preços de mercado pelo produto, destaca. As vendas para a China estão vinculadas a linhas de crédito concedidas pelo país asiático, e há uma outra fatia vendida a preços subsidiados para países como Cuba.

Nos últimos anos, por sua vez, os EUA também têm se empenhado em reduzir a sua dependência do petróleo de países instáveis, nota Watson. Para ele, as exportações de petróleo para a Venezuela tendem a seguir em queda, mas a um ritmo mais lento. Mas observa que, se as projeções atuais de que os EUA poderão se tornar autossuficientes em petróleo em cinco a oito anos se concretizarem, a decisão da Venezuela de intensificar a relação com a China terá se mostrado acertada. À época em que o movimento começou, não parecia uma decisão das melhores, porque os EUA eram vistos como o mercado natural para o petróleo venezuelano.

Luiz Pinto, pesquisador do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Columbia, nos EUA, afirma que a Venezuela teria que arcar com custos elevados, caso a produção americana a partir do gás de xisto leve realmente a uma diminuição drástica de suas exportações aos EUA. Mas, para ele, isso dificilmente acontecerá. "O desenvolvimento do projeto de xisto nos EUA tem tido um desenvolvimento intenso e rápido", afirma. "Mas o objetivo dos americanos é diminuir a dependência em relação ao Oriente Médio."

Segundo ele, a Venezuela, apesar da retórica anti-imperialista do chavismo, não é um alvo.

Também sob o ponto de vista americano, diz ele, seria um erro permitir que a China aumente ainda mais a sua participação em uma região como a América Latina, "que historicamente está muito mais sob a influência dos EUA do que o Oriente Médio".

Para Pinto, Nicolás Maduro - o vice-presidente escolhido por Chávez para ser seu sucessor - terá uma postura muito mais moderada em relação aos EUA do que a do líder bolivariano. "Neste momento, o chavismo mantém o discurso de polarização, do inimigo externo, do risco de uma invasão estrangeira, para o caso de haver alguma instabilidade no país", afirma. "Mas, uma vez eleito, Maduro tende a ser mais moderado. Talvez até abra mais o relacionamento com o governo americano", afirma.