Título: Indústrias do Brasil e EUA negociam redução de tarifa de importação
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2007, Brasil, p. A6

Brasil e Estados Unidos estão negociando uma lista de setores industriais para os quais gostariam de eliminar ou reduzir significativamente as tarifas de importação nas negociações da Organização Mundial de Comércio (OMC). Empresários brasileiros e americanos vão se reunir em breve para tratar do assunto. A aliança entre os dois países deve contribuir para a renovação do "fast track" no Congresso dos EUA e para a conclusão da Rodada Doha, já que aumenta a pressão por acesso ao mercado agrícola da União Européia.

O assunto - conhecido no jargão diplomático como acordos setoriais - será um dos temas das conversas que a representante comercial dos EUA, Susan Schwab, manterá no Brasil. Ela vem ao país acompanhando o presidente dos EUA, George W. Bush, e aproveita a viagem para se encontrar na sexta-feira à tarde com representantes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e no sábado com o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim.

Um mês após a visita de Schwab, no dia 10 de abril, uma delegação da Associação Nacional de Manufaturados (NAM, da sigla em inglês) chegará a São Paulo para discutir os acordos setoriais. A missão americana será chefiada pelo presidente e CEO da NAM, John Engler. Nesse encontro, empresários brasileiros e americanos tentarão chegar a uma lista de setores para seus governos negociarem na OMC. A indústria brasileira já sinalizou o interesse por granito, pedras preciosas, minérios, madeira processada, entre outros. Os empresários americanos ainda preferem manter sigilo da sua oferta.

Os acordos setoriais fazem parte do mandato da OMC. É uma modalidade de redução da proteção dos países complementar à fórmula que cortará todas as tarifas de importação da indústria mundial. Por esses acordos, que são voluntários, os países envolvidos vão zerar ou reduzir muito as tarifas de importação de determinado setor entre si. Já existe um acordo desse tipo em vigor para o setor de tecnologia da informação. Estados Unidos e Índia são signatários, mas o Brasil não participa.

"A indústria brasileira está interessada em uma negociação ambiciosa e equilibrada. Os governos são intermediários, portanto, é desejável o contato direto entre os setores privados", diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento de comércio exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "Houve uma evolução natural da indústria brasileira rumo à globalização. Decidimos olhar de forma mais pragmática os custos e os benefícios", completa. A indústria brasileira vinha se posicionando contrária aos acordos setoriais até agora. O encontro entre Fiesp e NAM foi agendado durante recente visita dos representantes da entidade paulista a Washington.

"Os acordos setoriais serão a chave do sucesso ou do fracasso da Rodada Doha", diz Frank Vargo, vice-presidente para assuntos internacionais e econômicos da NAM. "Se Brasil e Estados Unidos chegarem a um entendimento, enviarão um sinal muito poderoso para Genebra". Ele explica que, para obter concessões significativas em agricultura, os países deverão se engajar nos acordos setoriais. "Apenas a utilização da fórmula não produzirá as reduções tarifárias suficientes para destravar a negociação", diz. Vargo. Ele não revela os setores que os EUA estão interessados em liberalizar, mas diz que tentará encontrar, junto com a Fiesp, interesses comuns e segmentos em que o outro lado não seja totalmente contra.

A discussão dos acordos setoriais é retomada em um momento delicado para a Rodada Doha. No início de julho, expira a autorização que o Congresso concede ao Executivo para negociar acordos comerciais (TPA, da sigla em inglês), conhecida como "fast track". Após perder o controle do parlamento para os democratas, a administração Bush está enfraquecida. Da última vez que a TPA foi renovada, os republicanos venceram por apenas um voto. Para conseguir novamente essa façanha, Bush terá que envolver os lobbies privados. Acenar com acordos setoriais pode ser uma boa estratégia, já que os EUA são o maior entusiasta da idéia na OMC, por conta do interesse de suas empresas.

A parceria entre Brasil e Estados Unidos, países importantes no xadrez das negociações da OMC, deixa em posição incômoda o outro gigante do comércio mundial, a União Européia. Se houver avanço no pilar da indústria, a lógica de brasileiros e americanos é que a UE será forçada a oferecer mais em agricultura. Eles afirmam que os europeus têm dificuldade para se engajar em conversas setoriais, porque não conseguem chegar a um consenso para 27 países. Mas, se EUA e Brasil se envolverem, a Europa não terá alternativa.

Uma fonte ligada à União Européia diz que está preocupada com essa estratégia. "Essa história pode ser um grande erro tático do Brasil", diz. A fonte explica que a UE privilegia a abertura da indústria através da fórmula, porque cortará tarifas em todos os setores. "Vemos com preocupação essa idéia do Brasil de transformar em gesto de boa vontade a redução de tarifas em setores que são muito competitivos e não nos interessam absolutamente nada", diz.

Segundo essa fonte, o efeito pode ser inverso, já que países como Alemanha perderiam o interesse na negociação e deixariam de pressionar a França, que paralisa a abertura do mercado agrícola. Para atrair a UE, os acordos setoriais teriam que colocar na mesa automóveis, máquinas e equipamentos, química fina, entre outros.

Carlos Cavalcanti, diretor-adjunto de comércio exterior da Fiesp, frisa que nenhum setor será obrigado a participar das negociações. A entidade está elaborando um levantamento dos setores interessados, que deve ser finalizado em breve. É bem provável que o estudo aponte setores em que o Brasil tem interesse exportador inequívoco. A estratégia brasileira é, ao concordar com acordos setoriais, obter como compensação uma fórmula menos agressiva de corte de tarifas, protegendo setores sensíveis como automotivo ou químico.

Na semana passada, negociadores do governo se reuniram com os membros da Coalizão Empresarial Brasileira (CEB), coordenada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) para avaliar a retomada das negociações da OMC e a possibilidade de acordos setoriais. Uma fonte do Itamaraty diz que qualquer gesto do Brasil em indústria deverá ser precedido de um movimento dos países ricos em agricultura. Apenas se isso ocorrer e a indústria brasileira concordar, é que o Brasil entrará nos setoriais.

Apesar da iniciativa da Fiesp de conversar com os EUA, o tema ainda não é consenso total na indústria brasileira e encontra resistência em alguns setores. "Sempre achamos melhor não fazer, mas como o governo admitiu discutir os acordos setoriais, precisamos estar preparados", diz Osvaldo Douat, coordenador da CEB. A entidade também está fazendo um levantamento com os setores, apontando as vantagens que podem ser obtidas com acesso a mercado e as desvantagens de perda de proteção tarifária.