Título: Não há fragilidades assim tão graves
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Fonte: Valor Econômico, 07/03/2007, Internacional, p. A11

Há uma nova dinâmica em operação no panorama econômico. É o sobe e desce dos estoques das empresas - e isso tem potencial para provocar alguns altos e baixos em 2007 que poderão afetar bastante as percepções sobre o vigor da economia. O ponto baixo do ciclo dos estoques está ocorrendo agora, e ele pode ser parcialmente atribuído à onda de vendas registrada no mercado de ações dos EUA em 27 de fevereiro.

A fagulha inicial foi a queda das ações chinesas, mas temores em relação à economia dos EUA alimentaram o fogo. Algumas dessas preocupações são reflexo de vários relatórios econômicos fracos.

Poucos economistas anteciparam a extensão do ajuste dos estoques que já ocorria no fim do ano passado. Os cortes na produção têm sido muito maiores que o esperado. Esses cortes estão enfraquecendo consideravelmente o setor industrial e resultaram, em 28 de fevereiro, em uma grande revisão para baixo da avaliação do governo para o crescimento econômico no quarto trimestre de 2006.

O Birô de Análises Econômicas (BAE) agora coloca o crescimento do PIB no quarto trimestre em apenas 2,2%, bem abaixo dos 3,5% antes estimados. Os estoques das empresas, que haviam crescido em US$ 55 bilhões no terceiro trimestre, após o ajuste à inflação, cresceram só US$ 17,3 bilhões no quarto trimestre. A redução subtraiu 1,4 ponto percentual do PIB, em vez de apenas 0,7, conforme estimado inicialmente pelo BAE. Os relatórios de janeiro sobre as novas encomendas de produtos manufaturados e as pesquisas setoriais sugerem que o realinhamento dos estoques será um peso a mais sobre o crescimento neste trimestre.

A melhoria da situação dos estoques vem tendo seu maior e mais visível impacto na produção. No entanto, é importante ter em mente que o setor industrial responde por menos de um quarto de todos os produtos finais produzidos nos EUA. O PIB real do setor de serviços, que é muito maior e emprega cerca de 80% dos trabalhadores do setor privado, cresceu saudáveis 3,8% no último trimestre de 2006.

O ajuste necessário nos estoques não é muito grande. A redução parece estar concentrada em carros, materiais de construção e pontos no varejo. Isso fica claro com o padrão recente do crescimento do PIB fora dos setores automobilístico e da construção residencial. A economia cresceu em média só 2,1% no segundo semestre, mas, excluindo-se essas duas categorias, que representam apenas 8% do PIB, o crescimento do segundo semestre foi de 3,8%.

Compare o que está acontecendo agora com a recessão de 2001. Na época, os estoques oscilaram de uma taxa de acúmulo de cerca de US$ 100 bilhões por trimestre para uma taxa de liquidação de quase US$ 90 bilhões. Essa oscilação de US$ 190 bilhões no período de um ano e meio afetou profundamente o crescimento econômico. A atual queda é muito mais branda.

Mesmo assim, o golpe ao setor industrial tem sido pesado. A produção industrial já caiu a uma taxa anualizada de 2,2% no quarto trimestre de 2006, a maior queda trimestral desde a recessão de 2001. A produção automobilística caiu 3,9%, depois de uma queda de 9,8% no terceiro trimestre de 2006. A produção dos materiais de construção caiu 9,3% e a dos utensílios domésticos e acessórios caiu 8,8%. Esses três setores, que respondem por 20% da produção industrial, responderam por quase 45% da perda total do quarto trimestre.

Além disso, o desempenho fraco continuou no primeiro trimestre de 2007. A produção industrial de janeiro e as novas encomendas começaram o trimestre abaixo do nível do quarto trimestre de 2006. Os novos pedidos recebidos pelos fabricantes de bens duráveis caíram 7,8% em janeiro. Esse dado [revisado ontem para 8,7%], divulgado em 27 de fevereiro, ajudou a alimentar a onda de vendas de ações e sugeriu que as empresas poderão ter dificuldades no primeiro trimestre. Embora grande parte dessa queda tenha sido um reflexo da enorme queda de 60% nas encomendas feitas ao setor da aviação civil, principalmente à Boeing, os pedidos fora do setor de transporte também caíram.

Existe um lado bom no atual ciclo dos estoques, mas há riscos. Mais adiante em 2007, o ponto de alta do ciclo tem potencial para gerar uma boa recuperação da economia. Contanto que a demanda geral fique firme, os cortes em breve terão seguido seu caminho natural, criando uma boa chance de um grande revide do crescimento econômico no terceiro trimestre, na medida que as empresas acelerarem novamente a produção e começarem a refazer seus estoques.

O maior risco ao cenário de uma recuperação está no setor corporativo. Os desembolsos das empresas com equipamentos caíram inesperadamente no quarto trimestre, em 2,4%, e uma grande queda de 6% em janeiro nas encomendas de bens de capital (fora dos setores de defesa e aviação) sugere mais fraqueza. Se as empresas reduzirem os investimentos e as contratações, aí e economia ficará sem gás para reiniciar o aumento da produção.

O setor residencial é um outro "coringa". O mercado de novas casas caiu mais em janeiro, com as vendas recuando 16,6% em relação a dezembro, para o menor nível em quatro anos. As diferenças climáticas em dezembro e janeiro podem ter tido grande influência nesse resultado. Algumas notícias boas: as vendas de residências usadas cresceram em janeiro, sugerindo que os preços menores, os custos baixos dos financiamentos e a solidez dos mercados de trabalho estão reduzindo o estoque de residências não vendidas.

Apesar dos riscos, os vigorosos gastos do consumidor são o melhor motivo para acreditar que a correção dos estoques não será um problema grande ou prolongado para a economia como um todo. A demanda está fraca principalmente nas áreas automobilística e residencial, e os cortes de produção e descontos nos preços que estão ocorrendo para reduzir os estoques excessivos já diminuíram substancialmente o problema.

Os números revistos do PIB mostram que a demanda geral cresceu 3,6% no quarto trimestre de 2006, bem mais que o ganho de 2,2% do PIB. A diferença nesses dois aumentos reflete a grande redução no aumento dos estoques, sugerindo que muitos desses estoques excessivos foram vendidos no último trimestre. Mas a demanda do consumidor, em particular, parece ter continuado forte no primeiro trimestre. E a proporção dos lares descrevendo "dificuldades para conseguir emprego" caiu para o menor nível desde 2001.

Por enquanto, não há evidências sólidas de uma grande ou grave fraqueza da economia. Se este ciclo dos estoques seguir o padrão dos anteriores, há boa chance de a economia ganhar força no segundo semestre.