Título: As mudanças climáticas e o Brasil do futuro
Autor: Chaves, Henrique Marinho Leite
Fonte: Correio Braziliense, 17/12/2010, Opinião, p. 19

Engenheiro agrônomo, Ph. D. e professor da Universidade de Brasília (UnB)

Stefan Zweig dizia que lançar um olhar para o futuro é sempre arriscado. A frase do célebre brasilianista poderia ser aplicada tanto aos cenários climáticos prognosticados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) quanto aos resultados da COP-16, realizada na semana passada no México. Entretanto, como os riscos fazem parte da equação, eles deveriam, a título de precaução, ser incorporados ao processo de tomada de decisão, sob pena de atingirmos a temível ¿tragédia dos comuns¿, profetizada por Hardin. Nesse cenário, a busca racional do interesse individual leva à ruína coletiva.

A má notícia é que, de acordo com o último relatório do IPCC, a eventual tragédia climática se manifestará mais fortemente nos países em desenvolvimento situados nos trópicos. Pesquisas realizadas com modelos climáticos e hidrológicos em bacias hidrográficas nos cerrados, que já enfrentam situações de escassez de água, apontam para redução de 20% a 25% da precipitação anual em 2100 na região, levando a uma diminuição de 7% a 10% no volume de recarga dos aquíferos e nas vazões de estiagem dos rios, dependendo do cenário analisado.

Entretanto, esse nefasto prognóstico pode ser amenizado se as ações que vêm sendo realizadas por indivíduos, empresas, ONGs e governos de países como o Brasil, desobrigados de reduções compulsórias de emissões pelo Protocolo de Kyoto, forem fortalecidas nos próximos anos.

Tomemos o caso dos produtores rurais brasileiros. Setenta por cento dos 65 milhões de hectares de agricultura no país são manejados sob a forma de plantio direto, que comprovadamente sequestra até uma tonelada de CO2 equivalente por hectare por ano, quando comparado ao plantio convencional. Remoções ainda maiores, de até 5 t/ha/ano de CO2 equivalente são obtidas em florestas plantadas, mesmo com cortes periódicos.

Além desse importante aspecto mitigatório, o plantio direto e o reflorestamento contribuem de forma significativa para o aumento da recarga dos aquíferos, sendo medidas efetivas de adaptação às mudanças climáticas. O interessante é que, até agora, os serviços ambientais dessas práticas no país foram gerados sem nenhum subsídio.

Com o apoio técnico e político do governo brasileiro, práticas como essas poderiam se tornar elegíveis no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto. Uma vez implantadas nos 100 milhões de pastagens degradadas do país, elas contribuiriam para uma remoção adicional de 100 a 500 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, gerando emprego e renda para milhões de brasileiros.

Outra contribuição concreta do Brasil para a mitigação das mudanças climáticas globais é a emissão evitada de 50 milhões de toneladas de CO2 equivalente por ano, resultante do uso renovável dos 25 bilhões de litros de etanol produzidos no país. O mesmo vale para nossas hidrelétricas, que evitam a emissão de outras centenas de milhões de toneladas de CO2 anualmente, comparadas a fontes energéticas fósseis.

No caso das ações governamentais brasileiras, apesar da inexistência de políticas agroambientais efetivas, mesmo com a possibilidade de uso da alternativa green-box da OMC, que exclui do rol de subsídios agrícolas as práticas conservacionistas e o reflorestamento, houve avanços nas ações relativas ao clima. Destaca-se o estabelecimento, em 2009, da Política Nacional de Mudanças Climáticas ¿ PNMC, regulamentada na semana passada pelo Decreto nº 7.390/10. Esse último estabelece medidas audaciosas de redução de emissões de gases estufa e seu monitoramento nos vários setores da economia, tendo como base o ano de 2020. Ao setor agropecuário caberá a maior parcela de redução de emissões: 2,13 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, ou 66% da meta total.

Apesar de a PNMC acenar com a criação de um mercado brasileiro de redução de emissões, nos moldes MDL, medidas complementares de estímulo tecnológico e financeiro são necessárias, pois, sozinhos, mecanismos de mercado são insuficientes para cobrir as necessidades prementes de redução de emissões. Avanços nessa área poderiam ser obtidos pela regulamentação inteligente do Fundo Social do Pré-sal (art. 47-VII do PL 5.940/09) e do novo Código Florestal (art. 37 do PL 1.876/99), através de mecanismos de compensação financeira, proporcional aos serviços ambientais em relação ao clima. Com isso, o Brasil estaria contribuindo de forma efetiva para a redução dos impactos das mudanças climáticas globais e se tornando, de fato e de direito, o país do futuro.