Título: Não à reforma política
Autor: Ribeiro, Ricardo Luiz M.
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2007, Opinião, p. A12

No dia da eleição do presidente da Câmara, acompanhava pela TV Câmara o longo processo de votação e as burocráticas entrevistas realizadas ao vivo com os novos deputados recém chegados a Brasília. Invariavelmente, todos eles, após discorrerem sobre seus planos no Legislativo federal, listavam entre suas prioridades a reforma política, a panacéia do momento. Até o ex-presidente Fernando Collor assumiu sua cadeira no Senado trazendo debaixo do braço sua proposta de reforma política, que prevê a adoção do parlamentarismo e voto facultativo.

O presidente Lula defende a reforma política assim como os ex-presidentes Fernando Henrique e José Sarney (não se sabe o que Itamar Franco pensa a respeito). Os líderes dos grandes partidos também querem a reforma. Jornalistas, analistas e cientistas políticos em sua maioria, idem. Sindicalistas, representantes de trabalhadores e de empresários, OAB e ONGs diversas reforçam o coro a favor de mudanças nas regras do jogo político-eleitoral. Enfim, há um virtual consenso em prol da chamada "mãe de todas as reformas".

É compreensível a popularidade desse tema. Os recentes escândalos reduziram a pó a imagem dos políticos em geral, especialmente dos parlamentares, e criaram um ambiente propício para que a sociedade brasileira se deixasse seduzir pela idéia simplista de que a reforma política terá dons redentores e de que ela é fundamental para consertar as alegadas distorções do sistema político nacional.

Tais distorções serviram para que os grupos envolvidos com o mensalão justificassem desvios cometidos. A culpa, argumentaram - algumas vezes explicitamente, outras de maneira dissimulada - é do sistema político brasileiro que levaria os candidatos a apelarem ao caixa dois em suas campanhas e as forças governistas a lançarem mão de instrumentos heterodoxos para assegurar a maioria no parlamento. Foram bem sucedidos. O que deveria ser um caso para a polícia e a justiça se transformou numa questão política.

É inegável que o sistema político brasileiro tem falhas. Mas não existe um arranjo institucional perfeito e imune a desvios e irregularidades. É ingenuidade pensar que a reforma política irá impedir o surgimento de novos "mensaleiros" ou "sanguessugas". Principalmente se levarmos em conta as propostas de reforma política que estão em discussão no Congresso.

São basicamente quatro: a) substituir o sistema proporcional pela lista fechada ou pelo sistema distrital puro ou misto (que combinaria as duas alternativas anteriores); b) financiamento público de campanha, proibindo-se a arrecadação de recursos provenientes de pessoas físicas ou empresas; c) reforçar a fidelidade partidária; e d) proibir as coligações proporcionais.

Outras idéias também circulam entre os vários entusiastas da reforma política. A OAB, por exemplo, está defendendo, entre outras coisas, o recall. Parlamentares acusados de corrupção ou de quebra do decoro parlamentar teriam seus mandatos submetidos a novo escrutínio popular. Se rejeitados, perderiam o mandato. Muito virtuoso, mas pouco prático. Se a medida estivesse em vigor, somente em São Paulo a população teria sido obrigada, nos últimos dois anos, a participar de 15 "eleições-recall", equivalentes ao número de deputados federais paulistas submetidos a processos de cassação por conta dos escândalos do "mensalão" e dos "sanguessugas".

Porém, o que realmente está em discussão no Congresso são as quatro medidas apontadas acima. E elas certamente não darão conta de preencher as exageradas expectativas que estão sendo criadas em relação à reforma política. Seus efeitos são no mínimo questionáveis, quando não inócuos. E são como um cobertor curto. Podem cobrir alguma deficiência do sistema político nacional, mas deixarão outras ao relento.

-------------------------------------------------------------------------------- Os recentes escândalos fizeram a sociedade acreditar que a reforma política consertará o sistema político nacional --------------------------------------------------------------------------------

O sistema proporcional afasta o eleitor do candidato? Sim, mas a lista fechada acentuará esse desequilíbrio. O voto distrital poderá transformar o Congresso numa grande câmara de vereadores e o sistema distrital misto complicará a vida do eleitor, podendo aliená-lo ainda mais da eleição parlamentar.

O financiamento público de campanha tornará mais equilibrada a competição entre candidatos "ricos" e "pobres"? Talvez. Mas não irá acabar com o problema do caixa dois. Lista fechada em conjunto com financiamento público fará com que as campanhas se tornem mais baratas? Talvez. Mas, seja qual for o sistema adotado, as campanhas continuarão caras. Além disso, se gasta muito mais nas disputas majoritárias do que nas proporcionais.

Reforçar a fidelidade partidária parece uma boa idéia, tendo em vista o troca-troca partidário nos últimos anos. Mas manter à força um parlamentar numa legenda não irá torná-la ainda mais fragmentada acentuando um dos pecados normalmente apontados no sistema partidário brasileiro?

Quanto à proibição de coligações proporcionais, nada a objetar. É uma boa medida que dará mais transparência às eleições para a Câmara e para as Assembléias Legislativas. Mas, será que ela modificará profundamente o sistema político brasileiro?

O único efeito certo desse conjunto de medidas, principalmente se vingar a proposta das listas fechadas, é aumentar o poder das cúpulas partidárias. Pode até ser uma meta desejável. O fortalecimento da direção dos partidos os tornaria mais homogêneos, daria maior previsibilidade ao comportamento dos parlamentares e facilitaria as negociações com outras legendas e, principalmente, com o governante de ocasião. Seria mais fácil entregar a mercadoria - os votos no parlamento - em troca dos acordos fechados com o presidente, o governador ou o prefeito. Só não vale depois reclamar da exacerbação do poder do Executivo.

E não vale também encobrir o verdadeiro objetivo da reforma - o fortalecimento das cúpulas partidárias - alegando que se deseja fortalecer a democracia, tornar o sistema mais representativo e menos corruptível ou incentivar os políticos a pensarem mais no bem-estar coletivo. Nada disso está assegurado nos projetos em discussão no Congresso.

Se é para encarar para valer a reforma política, melhor seria corrigir uma inquestionável distorção do sistema político brasileiro: o desequilíbrio entre a representatividade do eleitor dos Estados mais populosos em relação aos que vivem nos estados menores. O voto dos paulistas para deputado federal, por exemplo, vale seis vezes menos que o de um leitor do Acre e de outros Estados de população equivalente. Diante dessa mudança, o resto é perfumaria. O problema é que essa medida nunca será aprovada pelo Congresso e corremos o risco de ficar apenas com a perfumaria.

Ricardo Luiz Mendes Ribeiro é analista político da MCM Consultores Associados.