Título: Os ativos parecem supervalorizados
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 07/03/2007, Opinião, p. A13

A turbulência dos mercados na semana passa está nos dizendo algo ou não passa de "uma história contada com som e fúria por um idiota, e sem sentido algum?" Alguns analistas estão preparados não apenas para explicar o dia-a-dia dos movimentos nos mercados, mas também a prevê-los. Não sou esperto o suficiente para o primeiro, nem impulsivo o bastante para o último. Estou preparado, no entanto, para fazer quatro declarações: primeiro, um período de volatilidade no mercado é bem-vindo; segundo, os principais mercados acionários, de fato, parecem sobrevalorizados; terceiro, que este não parece ser o caso, em função da extraordinária condição da economia mundial: por fim, a grande questão é até quando essas condições perdurarão.

Qualquer longo período de estabilidade de mercado estimula a especulação. Levado ao extremo, assumir esse tipo de risco, particularmente quando é alimentado por grandes volumes de empréstimos, pode criar uma instabilidade significativa. Num momento em que os mercados de ativos mantêm, em geral, uma tendência de alta e os prêmios de risco permanecem baixos, a necessidade de um lembrete sobre os riscos é valiosa. É bem melhor, como os moradores de San Francisco devem saber, sofrer uma série de miniterremotos a ter um longo período de calma. Da mesma forma, a euforia nos mercados é perigosa. De tempos em tempos ela precisa ser esvaziada, antes que as bolhas atinjam as proporções vistas no mercado japonês em 1990 e no dos Estados Unidos, em 2000.

As correções que estamos vendo em importantes mercados de ações são modestas: na semana passada, o índice Standard & Poor´s 500 recuou 4,4% e o índice global MSCI, 4,5%. Poderia isso representar o início de algo maior? Uma forma de abordar a questão é examinar a avaliação do mercado mais importante de todos, o dos EUA.

Dados preparados pela Smithers & Co., de Londres mostram a relação presente e cíclica entre as cotações e os lucros do índice composto Standard & Poor´s, desde 1881. A medida ajustada pelos ciclos segue o método do professor Robert Shiller, da Universidade de Yale: é a relação do preço das ações sobre a média de variação do lucro dos dez anos anteriores, deflacionada pelo índice de preços ao consumidor. A relação presente de preço sobre lucro agora está muito próxima da sua média de longo prazo, ligeiramente superior a 15. A mais recente relação P/L ajustada por ciclos, porém, é de 26,5, ou cerca de dois terços acima da sua média de longo prazo. Ela não é tão astronomicamente elevada como em 2000, mas é muito alta, pelos padrões históricos.

O que está acontecendo? A resposta é que os EUA - e, de fato, a maioria do mundo - experimentou um enorme salto nos lucros das empresas. O lucro real por ação e a média do lucro real por ação dos dez anos anteriores resultam no movimento cíclico dos lucros. Outro resultado é a escala do salto recente: em termos reais, o lucro aumentou 192% entre março de 2002 e dezembro de 2006. Mas o lucro real também aumentou 170% entre dezembro de 1991 e setembro de 2000, antes de desabar nos meses seguintes: em março de 2002, o lucro real das empresas no índice foi apenas 19% superior ao pico anterior, mais de uma década antes.

É sempre um erro confundir um ciclo com uma tendência. No caso dos lucros das empresas, é pior que um erro, é um tremendo disparate. O intenso movimento cíclico dos lucros corporativos é o motivo mais importante que explica porque a relação P/L não ajustada é um indicador de valor inútil. A questão que precisamos nos colocar é se eles se sustentarão ou recuarão mais uma vez, como fizeram no passado.

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Ao longo dos últimos 125 anos, o lucro real das empresas no índice cresceu a um ritmo de apenas 1,5% ao ano - menor que o da economia como um todo, pois as empresas novas e dinâmicas sempre têm menos peso nesse índice. Ao longo dos últimos 25 anos, o lucro real aumentou a uma taxa anual de 3%. O crescimento anual de 25% visto desde o pico mais recente não durará. Com base na experiência passada, é muito mais provável que será negativo.

Se formos avaliar quando isso poderá acontecer, teremos de reconhecer que a tendência altista da lucratividade corporativa é apenas uma das várias características extraordinárias da economia mundial. Eis algumas outras: crescimento dinâmico e agora amplamente compartilhado; baixas taxas de juros reais sobre títulos isentos de riscos; baixos prêmios por riscos de inflação e de crédito e, portanto, baixas taxas de juros nominais; enormes "desequilíbrios" em conta corrente; e baixa inflação, apesar de expressivos aumentos nos preços das commodities, especialmente do petróleo.

Essa combinação explica muitos fenômenos nos mercados financeiros. Os empréstimos tomados pelos fundos de participação acionária para comprar ativos corporativos é apenas um deles.

Parte do que vemos também surpreende. Isso se aplica particularmente à associação de veloz crescimento econômico global e alta rentabilidade com baixas taxas de juros reais e pouca preocupação com a inflação. Num mundo como esse seria de se esperar altas taxas de juro reais e temores sobre inflação, não o contrário.

Então o que está acontecendo? Surgem várias respostas: credibilidade da política monetária, o grande feito dos bancos centrais ao longo dos últimos 25 anos; globalização dos mercados globais em mercadorias, serviços e capital; a incorporação da China à economia mundial; a taxa de câmbio chinesa quase fixa e a conseqüente pressão baixista sobre os preços em dólares dos produtores; o deslocamento da renda mundial para dois grupos de grandes poupadores - os países Leste-asiáticos e, mais recentemente, os exportadores de petróleo, e o conseqüente aparecimento de um enorme superávit de poupança nesses países; o papel dos governos, de acumuladores de exigíveis denominados em dólares dos EUA, especialmente títulos do Tesouro; o papel dos EUA como tomador de empréstimo e de gastador de última instância; e o crescimento veloz da produtividade dos EUA.

Tudo isso combinado gerou as condições para crescimento econômico estável. Mas por quanto tempo durarão esses tempos felizes? Os perigos adiante parecem grandes. Um deles é que os mercados se expandirão excessivamente, gerando, assim, uma correção desestabilizadora. Outro é uma redução na poupança excedente fora dos EUA e um aperto nas taxas de juros mundiais. Outra delas é uma desaceleração no crescimento da produtividade nos EUA. Outra ainda é uma alteração nas condições monetárias globais que ameaça a retumbante expansão da rentabilidade do setor financeiro dos EUA. O maior risco, porém, é que o fim do surto de expansão imobiliária dos EUA convença as famílias dos EUA a finalmente apertar os seus cintos, pondo um fim, assim, ao papel dos EUA como maior gastador do mundo, antes de os grandes poupadores, por sua vez, estarem prontos a gastar.

Podemos estar certos de que o crescimento do lucro não se manterá às taxas recentes. Um retrocesso abrupto, no entanto, embora possível, tampouco parece iminente. Os riscos econômicos são evidentes e o mercado realmente parece caro. Mas eu não me atreveria a prognosticar um ponto de inflexão. Prognosticar é tarefa para pessoas mais espertas e mais corajosas.