Título: Custo do trabalho pode cair no setor de software
Autor: Borges, André
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2007, Brasil, p. A7

O mercado de software e serviços relacionados está prestes a ver atendida aquela que sempre foi a sua principal demanda para destravar o setor no país: a redução de seus encargos trabalhistas. O governo federal trabalha nos últimos detalhes de uma Medida Provisória que pretende reduzir o impacto tributário sobre a mão-de-obra deste mercado.

O objetivo, segundo apurou o Valor, é fazer com que os impostos deixem de incidir sobre a folha de pagamento - que hoje concentra a maioria dos custos para empresas que desenvolvem e prestam serviços de suporte a sistemas - e passem a ser cobrados sobre o desempenho financeiro de cada companhia. Assim, empresas de software e serviços deixariam de ter um custo fixo com mão-de-obra. Em contra-partida, teriam que cumprir metas de capacitação técnica e formação de pessoal.

A negociação vem sendo travada pelos Ministérios do Desenvolvimento (MDIC) e da Ciência e Tecnologia (MCT), junto da Receita Federal, da Previdência e do Ministério do Trabalho. As informações foram confirmadas pelo secretário de tecnologia industrial do MDIC, Jairo Klepacz. Atualmente, segundo dados do MDIC, pelo menos 60% dos custos das empresas de software e serviços estão atrelados à folha de pagamento. Entidades do setor reclamam que este percentual chegaria a ultrapassar 80%. "O custo tributário é significativo", comenta Klepacz. "Não há dúvidas de que isso acaba jogando o Brasil para fora da competição internacional", diz ele.

As empresas de software e serviços fazem coro às palavras do secretário. "Essas medidas trabalhistas vêm totalmente de encontro aos nossos anseios", afirma Chu Tung, presidente da EDS Brasil, empresa que hoje emprega 8,7 mil funcionários, todos com registro na carteira de trabalho. "Recrutamos quase 200 pessoas por mês, o custo de folha é altíssimo. Com a desoneração, poderíamos competir até com a Índia."

Para Paulo Bonucci, presidente da Unisys Brasil, a medida "tem tudo para ser um marco histórico" para o mercado. "É algo que pode, inclusive, refletir em outros segmentos da indústria", avalia o executivo, que hoje administra uma companhia com 2 mil funcionários, voltados principalmente à exportação de serviços de tecnologia.

Além de tornar os preços dos sistemas e serviços brasileiros mais competitivos, o governo espera que as novas medidas tragam mais profissionais para o mercado formal de trabalho. A expectativa dentro do MDIC é que pelo menos 100 mil pessoas sejam devidamente registradas por seus empregadores no prazo de até dois anos.

Hoje o setor de software reúne cerca de 1 milhão de profissionais no país, segundo informações da Federação Nacional das Empresas de Informática (Fenainfo). Destes, cerca de 70% não trabalham em regime de CLT, ou seja, atuam com pessoa jurídica ou simplesmente prestam serviços sem qualquer tipo de vínculo formal. Essa informalidade é hoje um dos principais obstáculos enfrentados pelas empresas brasileiras quando querem competir no mercado internacional. Como não possuem números formais que comprovem o porte das operações, ficam enfraquecidas frente a empresas maiores.

A redução da informalidade também ajudaria a balizar as regras para quem concorre no mercado interno. Hoje, boa parte das empresas do setor leva vantagem sobre outras que optaram por registrar todos os seus funcionários com base na CLT, afirma Ricardo Chisman, sócio-diretor da Accenture Brasil, empresa que conta com 5 mil funcionários no país . "Um dos pontos positivos é que essa medida incentiva todos a trabalharem sobre as mesmas regras, com igualdade para competir."

Para Francisco Ribeiro, responsável pelos centros de desenvolvimento da Accenture na América Latina, as mudanças podem mexer radicalmente com a exportação de serviços ligados a software. "Meu insumo é gente. Se o preço cai, nos tornamos automaticamente mais competitivos."

Questionado sobre que tributos poderiam ser retirados da folha de pagamento das empresas de software, o secretário de tecnologia industrial do MDIC, Jairo Klepacz, é lacônico. "Ainda há detalhes importantes para serem definidos". Os demais agentes do governo envolvidos na discussão (Previdência, Receita e Ministério do Trabalho) foram procurados, mas não comentaram o assunto. O Ministério da Previdência se limitou a informar, por meio de sua assessoria de comunicação, que está analisando o assunto.

De acordo com a diretoria da Fenainfo, alguns impostos são fortes candidatos a esta redução ou mesmo eliminação: a taxa de 5,8% recolhida para o chamado "Sistema S" (formado por instituições com Sesc, Senac e Sebrae), outros 20% destinados à Previdência, e os cerca de 2% destinado ao seguro contra acidente de trabalho.

Segundo Leonardo Humberto Bucher, diretor executivo da entidade, há alguns anos a Fenainfo chegou a apresentar um projeto que pedia eliminação total ou parcial destes tributos, mas não teve sucesso. "Por isso há uma expectativa grande para que essa medida saia logo. Flexibilizar os impostos da folha de pagamento é crucial para o setor", diz Bucher.

Na próxima semana, o ministro do MCT, Sergio Rezende, irá se encontrar com a Comissão de Ciência e Tecnologia do Congresso Nacional para discutir os ajustes finais da nova proposta. "Essa mudança poderá trazer um novo momento para o mercado de software do país", comenta o deputado federal Julio Semeghini (PSDB-SP), que preside a Comissão. "Só não podemos esquecer da exportação. É preciso garantir o benefício de quem está em busca do mercado internacional."

Na última semana, ao falar sobre os incentivos que estão sendo preparados para o setor de software, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, chegou a mencionar a possibilidade de redução ou mesmo isenção total de impostos como o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) e o Imposto Sobre Serviços (ISS). A expectativa é que o pacote, incluindo as medidas trabalhistas, sejam anunciadas ainda neste primeiro semestre.

A Associação Brasileira das Empresas de Software e Serviços para Exportação (Brasscom), que tem trabalhado de perto com o governo federal para definir as novas regras trabalhistas, também foi procurada pela reportagem, mas não quis comentar o assunto.